Day trade: responsabilidade da corretora de valores pelo prejuízo de seus investidores por inércia da zeragem compulsória

Oriundo da 1ª Vara Cível do Foro da Comarca de Osasco/SP, o recurso de Apelação nº 1013845-41.2017.8.26.0405 interposto por Marcelo Faria em face da XP Investimentos Corretora de Câmbio Títulos e Valores Mobiliários S.A., possui em seu bojo, fundamentalmente, a discussão acerca da responsabilidade da corretora/apelada pela perda de capital do investidor/apelante no mercado financeiro, após operação de compra de ativo na bolsa de valores inexitosa.

Em primeira instância, a Ação Reparatória por Danos Materiais ajuizada pelo investidor foi motivada após ter perdido a quantia de R$ 155.724,14 depois de realizar operação de day trade, comprando ações de OGXP3 na bolsa de valores e não zerando sua posição até o final do dia, vindo estas ações a sofrer acentuada queda no dia seguinte. Argumenta que “o robô” da empresa teria o dever de zerar sua posição, a chamada zeragem compulsória, limitando até certo nível suas perdas. Em contrapartida, a corretora apresentou reconvenção para cobrar do investidor o débito em aberto de R$ 8.000,00 formado com ela após tal operação.

O pedido foi sentenciado e julgado improcedente devido, em suma, à consideração da inexistência de responsabilidade da corretora pelas compras do ativo por parte do investidor, especialmente por ter continuado aumentando suas posições próximo ao final do After Market. Com isso, não haveria o que a corretora fazer para minimizar tais prejuízos àquela altura. Já a reconvenção, foi extinta por ser reconhecida prescrita, sendo aplicado o prazo prescricional de cinco anos neste caso.

Em sede recursal, alega o investidor que, objetivando operações de financiamento, houve a inobservância da falta de cálculo diário do limite operacional por parte da corretora, combinado ao uso de recursos de terceiros como fonte para fins deste financiamento. Neste sentido, não havendo contrato de financiamento, não poderia a corretora financiar (alavancar) o investidor, em congruência ao artigo 5º da Resolução CVM 51/86. A corretora, por sua vez, busca pela inversão do julgado no que tange à prescrição do débito. Afirma que, estando eles sob Contrato de Intermediação, atua como intermediária, aproximando os investidores para que possam negociar, e com isso, se trata de responsabilidade contratual, com prazo prescricional decenal.

Ao apelo foi negado provimento, mantendo-se a sentença. Em sua fundamentação, o relator discorreu o entendimento de inexistência de responsabilidade da corretora sobre o prejuízo causado quando evidentemente o investidor buscava uma maior exposição ao ativo em questão, visto que acessou seu homebroker e permaneceu efetuando compras deste ativo até minutos antes do término do chamado After Market. Com isso, nitidamente não seria possível a corretora atuar em relação à área de risco, aplicando a zeragem compulsória, observado que seu papel principal, sobretudo, é dar prosseguimento às ordens de compra e venda indicadas pelos investidores.

Ademais, quanto à suposta intenção de financiamento de operação, restou entendido por sua inexistência ante à ausência de evidências, além de que o próprio investidor deixa claro que não necessitou de financiamento para adimplir tais compras, se contradizendo. Outrossim, foi mantido o reconhecimento da prescrição quanto ao pedido reconvencional, nos termos do art. 206, §5º, I, do Código Civil, o qual diz que o prazo para cobrança desta natureza prescreve em cinco anos. No caso em tela, se passaram cinco anos e sete meses entre a origem do salvo devedor, e o protocolo da reconvenção.

De forma correta decidiram os magistrados. Quanto à prescrição, não há o que se discutir, visto que o Código Civil é claro e incisivo ao estabelecer o prazo quinquenal para prescrição da pretensão de cobrança de dívida líquida constante de instrumento particular (e público). Já adentrando o mérito da controvérsia – a responsabilidade da corretora –, percebe-se o entendimento adotado um tanto quanto delicado, mas também feito de forma acertada.

Inicialmente, é nítido que o controle de riscos, o monitoramento e a segurança, são deveres da corretora de valores mobiliários, assim como preceitua o artigo 15, §2º, da instrução CVM 505/11, estabelecendo que “os sistemas de controles de gerenciamento de risco devem permitir o monitoramento, o controle e a adoção de medidas visando adequar as ordens que excedam os limites operacionais estabelecidos pelo intermediário para cada cliente”. Nesta seara, inclusive, determina o art. 20, § 1º, V, VII e VIII, da mesma instrução supracitada, que deve a corretora estabelecer regras, procedimentos e controles para zeragem compulsória, recusa, alteração das ordens, e cancelamento.

Contudo, ainda que exista essa obrigatoriedade e deva a mesma ser exigida da corretora de valores, a partir do momento em que este investidor se mantem enviando ordens de compra de ações até instantes antes do fechamento do After Market – que já é um curto período para os investidores realizarem mais algumas movimentações após o horário normal de negociações na bolsa de valores –, essa atuação no monitoramento e preservação de risco se torna prejudicada, como por bem entenderam os magistrados.

Além disso, o investidor traz aos autos a alegação de que esta inércia na atuação da corretora foi um artifício para obtenção de vantagem, no caso, realizar operação de investimento, que comprovadamente jamais existiu. É evidente que, em casos como este e similares, há de se ter um julgamento, mais do que nunca, pautado na ponderação e no bom senso, na medida em que além da existência da obrigação da corretora, pode haver diversos fatores impeditivos para a atuação em tela. Dado que o investidor se utiliza de alegação nitidamente inverídica e contraditória para indicar a motivação desta inércia (visto que ele mesmo deixa claro que o valor da perda sofrida era equivalente ao valor que possuía em sua carteira), não havendo nenhuma prova de financiamento de operações, maior ainda a presunção de inexistência de responsabilidade por parte da corretora.

Aliás, como informado nos autos, o investidor formulou uma reclamação perante a Superintendência de Proteção e Orientação ao Investidores (SOI), posteriormente recorrendo da decisão administrativa perante a Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Ambas as decisões, essencialmente, possuíram o mesmo entendimento de inexistência de irregularidade da corretora; a única causa da perda ser a decisão de investimento tomada; e a inexistência de financiamento de operações. Ora, se o próprio órgão que instituiu as normas supracitadas, o qual fiscaliza, normatiza, disciplina e desenvolve o mercado de valor mobiliários no Brasil, entendeu pela inexistência de culpa da corretora pelo prejuízo gerado, mais que evidentes indícios para os julgadores tenderem a este caminho.

Desta maneira, é evidente que não obteve êxito o investidor/apelante em comprovar a existência dos fatos constitutivos de seu direito, e, ficando preponderantemente evidenciado que a corretora/apelada agiu de forma completamente regular, ausente motivos para considerar sua responsabilidade e imputar-lhe encargo pelas más decisões tomadas por seu cliente.

 

* Acórdão nº 2020.0000857653

(TJSP – AC nº 1013845-41.2017.8.26.0405 – São Paulo – 32ª Câmara de Direito Privado – Rel. Kioitsi Chicuta – j. 20/10/2020).

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