O setor agropecuário, apesar de sua popularidade em ascensão, não está imune às flutuações econômicas e aos desafios impostos pelos problemas climáticos enfrentados nos últimos tempos. Isso fica evidente no aumento significativo de 300% nos pedidos de recuperação judicial de empresas do ramo entre janeiro e setembro do ano passado, em comparação com o mesmo período de 2022, conforme dados do Serasa Experian, que revela a crescente carga de dívidas enfrentada pelo agronegócio.
E de mãos dadas à crise, em uma análise branda, aparentemente surgiu a solução: a reforma da Lei de Recuperação Judicial, por meio da Lei 14.112, trouxe disposições específicas para produtores rurais em dificuldades. Desde 2020, produtores individuais também podem se beneficiar desse meio de renegociação de passivos, e a tendência é que os pedidos de recuperação continuem a aumentar. E sobre esta modalidade simplificada de recuperação judicial, cabem algumas colocações:
Inicialmente, ainda que pareça óbvio, vale a pena destacar: o produtor rural ao solicitar a recuperação judicial, pode optar por fazê-la por meio do procedimento comum, ou por meio do procedimento simplificado. Este procedimento simplificado para produtores rurais guarda semelhanças com os procedimentos regulares, porém possui suas particularidades. Por exemplo, o tempo necessário de registro do produtor rural na junta comercial é diferente: enquanto em outros setores são exigidos dois anos de registro, para produtores rurais são necessários apenas dois anos de atividade, sem a necessidade de registro durante todo esse período. Tal diferença foi consolidada pelo Tema 1.145 do STJ, exigindo somente a inscrição na junta no momento de requerimento da recuperação judicial.
Outro ponto importante é a opção de apresentar um plano especial de recuperação judicial, semelhante ao disponível para microempresas e empresários de pequeno porte. Isso oferece uma vantagem significativa devido à simplificação do processo, com termos já estabelecidos por lei e dispensa de aprovação em assembleia de credores. Melhor explicando, nesta modalidade, o pagamento do débito será dividido em 36 parcelas mensais, com juros calculados pela taxa Selic, e a primeira parcela deve ser quitada em até 180 dias após o início do processo de recuperação judicial.
Uma outra diferença relevante é que o plano especial será aprovado exclusivamente pelo juiz, que avaliará sua viabilidade e considerará quaisquer objeções dos credores. Em contraste, o plano de recuperação padrão requer uma assembleia de credores. Trata-se de etapa extremamente emblemática que envolve um grande volume de negociações, bem como que está sujeita a diversos requisitos legais, o que prolonga o processo.
No entanto, é importante notar que, diferentemente da recuperação judicial regular, o plano especial só incluirá os credores que concordarem em participar da recuperação judicial. Aqueles que optarem por não participar podem prosseguir com ações legais para recuperar seus créditos, seguindo os prazos normais de prescrição.
Em relação aos créditos sujeitos à recuperação judicial, apenas aqueles que derivam diretamente da atividade rural e estão devidamente registrados nos livros contábeis podem ser incluídos. Isso exclui, por exemplo, créditos já renegociados anteriormente com instituições financeiras.
Já no procedimento regular, além deste englobar necessariamente todas as dívidas anteriores ao pedido – salvo poucas exceções – permite-se ao devedor um período de 180 dias prorrogáveis em que não se pode cobrar as dívidas concursais, sendo mecanismo essencial àquele devedor em situação grave.
Explanado o procedimento, importante notar que, mesmo durante o processo de recuperação judicial, o produtor rural continua tendo acesso ao crédito, incluindo o crédito rural subsidiado. Isso reflete o objetivo central da recuperação judicial: manter a atividade econômica do produtor, garantindo-lhe acesso aos recursos necessários para sua sustentabilidade. Porém, o que se observa na prática é que, ainda que não exista vedação legal de acesso ao crédito, em prática que contraria a finalidade do instituto, instituições financeiras não raramente impõem obstáculos aos produtores que atravessam este momento. Tal prática há de ser refutada, já que, em uma análise mais profunda, pode até refletir na inviabilidade das atividades do produtor, algo que a legislação tenta, a todo custo, evitar.
Contudo, tal consequência de mercado ainda tímida mostra-se pequena perto das vantagens e potencial de soerguimento do produtor, que muitas vezes não possui alternativas senão socorrer-se do judiciário.
O que podemos concluir, portanto, é que, mesmo com os pontos contrários, diante do cenário atual, o processo de recuperação judicial torna-se a maneira mais eficaz de oferecer aos produtores rurais uma oportunidade de reestruturação diante de dificuldades financeiras, com medidas específicas que levam em conta as características únicas do setor agropecuário, contribuindo assim para a estabilidade e o desenvolvimento do agronegócio.
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