O que vimos ultimamente, frustra-se o cidadão que deposita, periodicamente, suas esperanças nas urnas e, pouco tempo depois, pilha seus mandatários em graves escândalos de corrupção. O recente julgamento do TSE precisa ser visto prospectivamente, levando em conta os juízes que julgaram o caso tecnicamente, segundo as provas dos autos. A análise das provas revelou o abuso de poder econômico por meio de financiamento ilícito de campanha, descortinando a corrupção na formação da vontade geral. Isso fere não só a democracia representativa, mas também o princípio da igualdade, o bem mais caro ao Estado de Direito. A ONG Transparência Internacional divulga índices de corrupção e, no último ano, promoveram estudos relacionando corrupção à desigualdade, citando os casos Petrobrás e Odebrecht (www.transparency.org/news/feature/corruption_perception_index_2016).
A corrupção comprovada nos autos do caso relatado pelo ministro Herman Benjamin foi útil, também, para a reflexão sobre o quanto custa essa chaga para a tributação. Ficou provado que a corrupção de agentes públicos no país é sistemática e contamina a representação política, justamente aquela responsável pela formação da vontade geral que aprova o gasto público e determina a tributação de custeio do Estado, segundo a capacidade contributiva, corolário do princípio da igualdade. Há uma nítida violação aos direitos fundamentais do cidadão brasileiro.
No julgamento em questão foram produzidas provas da utilização de dinheiro público para alimentar partidos políticos e seus representantes nas eleições majoritárias para a presidência da república em 2014. Sendo isso verdade, o que se admite hipoteticamente, estamos diante de um complexo sistema de drenagem de recursos públicos provenientes dos tributos pagos pelo cidadão brasileiro. O montante utilizado em corrupção tem o efeito perverso de fazer recair maior peso da carga tributária sobre aqueles que cumprem a lei, em desrespeito ao princípio da capacidade contributiva.
O fenômeno da corrupção sobre a tributação vem sendo estudado no intuito de identificar o impacto sobre as bases tributárias. O sistema tributário foi idealizado para arrecadar sob uma combinação de tributos diretos e indiretos, procurando a simplificação como meio de otimização da receita. Num sistema hipotético, a menor complexidade dos tributos indiretos traria maiores ganhos, na medida que se daria menos espaço para a corrupção. Por outro lado, os tributos diretos deixariam o sistema mais vulnerável para a corrupção. Ocorre, porém, que num país de corrupção sistêmica como o Brasil, tanto um quanto outro tipo de tributo deixa de ser arrecadado, uma vez que a evasão retira do Fisco capacidade de captação, erodindo o sistema.
Na proposta de reforma tributária, em tramitação no Congresso Nacional, parlamentares acenam com a criação de novos tributos e fusão de outros para incrementar o caixa da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Será que o combate à corrupção não traria mais benefícios do que reformas fiscais? A resposta está na ação dos agentes públicos para a melhoria das ferramentas de combate à corrupção, como transparência de contas de campanha e de agentes públicos, fiscalização das eleições e do financiamento público de partidos políticos. Não há falar em “caixa 1”, “caixa 2” ou “caixa 3” de campanhas eleitorais.
Em tributação, as variações sobre a expressão de “caixa” mencionadas acima não tem significado algum, pois afora o que se designa coloquialmente por “caixa 1”, os demais são considerados sonegação fiscal e como tal são repreendidos pela legislação fiscal e penal. Quando um ente privado confessa a corrupção com uso de dinheiro não declarado às autoridades fiscais, isso basta para a concretização do ilícito. Se a maioria dos ministros do TSE decidiu por não ver o óbvio, para o Fisco isso é irrelevante, trata-se de receita subtraída dos cofres públicos. Em outras palavras, mesmo que a justiça eleitoral tenha decidido fechar os olhos para o delito eleitoral, o Fisco pode cobrar dos partidos e candidatos eleitos o tributo correspondente ao enriquecimento sem causa, na lógica do princípio non olet, uma vez que apenas o “caixa 1” está abrangido pela imunidade partidária.
Assim, sendo, parece louvável a proposta atribuída ao procurador-geral da República, Rodrigo Janot, de separar os políticos acusados de sonegação daqueles envolvidos em atos de corrupção. Sendo possível tal segregação, estaria aberta a possibilidade jurídica para que os políticos pilhados com recursos não contabilizados, eufemismo para o “caixa 2”, fossem sujeitos a penas alternativas à prisão, com pagamento de multa e prestação de serviços comunitários. Isso, naturalmente, não excluiria do Fisco o direito de cobrar os tributos devidos nessas operações. Afinal, o político não evolvido em corrupção ficaria com ficha limpa para concorrer a eleições, preservando o erário público. Talvez essa seja uma solução conciliadora capaz de pacificar o país sem dar a negativa mensagem da impunidade. A corrupção, por outro lado, seguiria sendo punida com o rigor da lei.
*Mestre, doutor e livre docente pela Faculdade de Direito USP, advogado em São Paulo