Garantias contratuais lato sensu
Considera-se como garantia, de forma geral, o direito atribuído a uma ou ambas as partes de um negócio jurídico, por lei ou sua própria vontade, de assegurar o cumprimento de determinada obrigação em caso de descumprimento pela parte adversa.
Existe uma infinidade de tipos de garantia, isto porque não há só as definidas em lei – garantias legais, como por exemplo as amplamente conhecidas dentro da relação consumerista, mas também há todo um universo explorável pelas partes, visto a pluralidade de possibilidades de constituírem suas próprias previsões – garantias atípicas, respeitando-se os requisitos do artigo 104 do Código Civil.
Nesta seara, é preciso estar atento não somente à eficácia econômica do dispositivo garantidor, mas também à sua eficácia jurídica, estudando-se minunciosamente se tal previsão poderá ser exigida e, principalmente, efetivada caso necessário. Portanto, seja qual for a garantia instituída na relação contratual, de nada adiantará se não viabilizar seu
objetivo central: o cumprimento efetivo da obrigação não atendida.
Garantias no contrato de intermediação e custódia
Chamam a atenção as garantias dispostas nos contratos firmados no mercado financeiro, em especial entre corretora de valores mobiliários e cliente, o conhecido “Contrato de Intermediação e Custódia e Outras Avenças”, formalizado para possibilitar o investidor a operar nas bolsas de valores, mercados de balcão, mercados de títulos públicos
e/ou privados, e etc.
1 CC, art. 104. A validade do negócio jurídico requer: I – agente capaz; II – objeto lícito, possível,
determinado ou determinável; III – forma prescrita ou não defesa em lei.
2 Neste âmbito, as cláusulas garantidoras são as mais diversas, mas sempre com o objetivo de resguardar a corretora em caso de descumprimento do cliente em face de suas obrigações, primordialmente no que tange sua inadimplência, como nos casos de operações fracassadas e saldo devedor gerado.
Geralmente observam-se dispositivos que, visando exatamente evitar prejuízos posteriores, determinam que o cliente estará suscetível à eventuais exigências de prestação de garantias, a qualquer tempo e a critério da corretora, em qualquer valor e prazo, para assegurar o fiel cumprimento de suas obrigações, sob pena de aplicação de multa e juros moratórios, por exemplo. Mas, isso por si só, será o suficiente?
Muitas vezes essas previsões alcançam seu objetivo, nos casos em que o cliente atende a determinação e presta as garantias resguardando a corretora, é verdade. Contudo, é fato que por vezes – e muitas – o cliente não cumpre com a exigência, mantendo-se inerte, e quando o débito é gerado, fica inadimplente.
Nesses casos, resta à corretora recorrer ao poder judiciário, comumente através Ação Monitória, para reaver este débito. Ocorre que, saindo vencedora, dependerá de uma execução frutífera em face do cliente devedor, o que muitas vezes não tem efetividade. Portanto, se monstra imprescindível a tomada de providências a fim de que esse cenário seja mudado.
Previsões contratuais auxiliares essenciais
Partindo da premissa de que, além da exigência das garantidas instituídas nestes contratos, também é essencial que haja uma forma de assegurar que tal determinação será cumprida, ou ao menos possibilitar um caminho alternativo para sempre estar protegido do tão recorrente inadimplemento, um amplo campo de possibilidades se abre e discussões surgem.
Como visto, muitos deles já possuem cláusulas neste sentido, determinando aplicação de sanções como multas e taxas em caso de não atendimento às exigências garantidoras, mas não é o suficiente. A razão disso, na verdade, é bem intuitiva: se o cliente não está disposto a disponibilizar as garantias, já apresentando um perfil de inadimplemento, dificilmente arcará com os prejuízos gerados, acrescidos de taxas ou não. Isto estende-se à eventual execução em juízo, que reduz consideravelmente as chances de alcançar seu crédito.
A saída, ou pelo menos a providência que se mostra mais viável, é antecipar a formação desta “bola de neve”. Supondo que o objetivo será, primeiramente, assegurar que as exigências garantidoras sejam cumpridas pelo cliente, evidentemente deve-se instituir cláusulas que, de uma forma ou outra, efetivamente forcem seu cumprimento. Uma
garantia da garantia, por que não?
Para isso, é imprescindível partir para o que já têm em mãos, e não focar somente em pagamentos futuros. Em outras palavras, o ideal seria assegurar a garantia pessoal, que incidirá sobre o patrimônio, com uma garantia real, que incidirá sobre bens. É verdade que a já comum exigência de depósito de valor garantidor pelo cliente, em tese seria a aplicação de uma garantia real. Contudo, verifica-se que a corretora acaba sempre dependendo de posterior perseguição de patrimônio do devedor, o que, na prática, se pode traduzir em uma garantia pessoal.
Por isso, como algumas corretoras já têm adotado, uma excelente alternativa é prever em contrato a possibilidade de, em caso de não atendimento às exigências garantidoras, utilizar-se exatamente dos bens em sua custódia. Ou seja, utilizar-se dos valores em dinheiro ou créditos que administra em nome do cliente; promover a venda de títulos,
valores mobiliários e ativos financeiros; promover a compra dos ativos necessários à liquidação de operações realizadas pelo cliente; proceder ao encerramento e/ou liquidação antecipada das posições registradas em nome do cliente; entre uma infinidade de outra possibilidades que podem ser previstas em contrato.
Pode-se concluir, portanto, pela potencial ineficácia jurídica das cláusulas garantidoras na maior parte dos contratos de intermediação e custódia, o que demanda a tomada de providências para alteração desse cenário desconfortável. Assim, fica evidente que a saída mais indicada é a corretora fazer uso dos bens já em seu domínio, de forma que
em primeiro momento sejam exigidas tais garantias de forma passiva e leve, mas que no mesmo passo, em caso de descumprimento, possua o arcabouço necessário para reaver efetivamente tal crédito de forma ativa e eficaz.