São Paulo, 25 de maio de 2009
A proteção do bem de família
Por Catia Zillo Martini
Em caso de extinção ou alienação do bem de família legal é bastante o ato de vontade do proprietário.
O instituto do bem de família tem por objetivo proteger um determinado imóvel, destacado do restante do patrimônio da família e afetado à sua moradia, tornando-o isento da execução por dívidas futuras, salvo as de origem tributária e de taxas de condomínio referentes ao mesmo imóvel, bem como a penhorabilidade do bem de família do fiador locatício, prevista expressamente na Lei de Locações.
A proteção do bem de família não visa apenas à proteção da entidade familiar, mas de um direito inerente à pessoa humana: o direito a moradia, de forma que o conceito de impenhorabilidade protege a família, conceito que inclui não somente aquela proveniente do casamento civil, como também a decorrente de união estável, a monoparental e o casal sem filhos, como também abrange o imóvel pertencente a pessoas solteiras, separadas e viúvas, conforme entendimento pacífico e já sumulado do Superior Tribunal de Justiça.
Introduzido no Brasil pelo Código Civil de 1916, sob a modalidade voluntária, o instituto não teve aceitação popular, quer seja pelo costumeiro desconhecimento das leis pela população, mas também, e principalmente, pela dificuldade da sua implementação, diante da exigência de escritura pública ou testamento, bem como os custos desses atos decorrentes.
Apenas com o advento da Lei nº 8.009/90 o instituto passou a ser constantemente aplicado nas lides judiciais, já que, por força de referido diploma legal, fora adotada a modalidade legal ou involuntária, ditada pela vontade mesma do Estado, a fim de proteger a família e sua residência.
Os efeitos da impenhorabilidade operam-se de imediato, independentemente da iniciativa do proprietário do imóvel, bastando, para tanto, que o imóvel sirva de residência para si ou sua família.
Ainda nos termos de referido diploma legal, não há limite para o valor do bem, salvo em face da multiplicidade de bens imóveis, quanto, então, somente o de menor valor será tido como bem de família legal, favorecendo aqueles que têm no imóvel residencial o único bem de valor econômico expressivo.
Em caso de extinção ou alienação do bem de família legal, é bastante o ato de vontade do proprietário, sem a interveniência do Judiciário, uma vez que a Lei nº 8.009/90 previu apenas a impenhorabilidade, não a inalienabilidade.
No Código Civil de 2002, o bem de família acha-se regulado nos artigos 1.711 a 1.722, e só pode ser constituído pela vontade expressa do instituidor, via escritura pública ou testamento registrados perante o Cartório de Registro de Imóveis competente, limitado o valor do imóvel a um terço do patrimônio líquido do instituidor existente ao tempo da instituição, quando existentes outros bens residenciais.
A fim de ampliar a aplicação de referido instituto, referido diploma legal permitiu, ainda, a instituição de valores mobiliários cuja renda destinar-se-á à conservação do bem e à sobrevivência da família, observado que o montante desses valores mobiliários não poderá ultrapassar o valor do imóvel.
No caso de extinção, alienação ou sub-rogação do bem instituído como bem de família, mister se faz a interferência do Estado-Juiz, uma vez que o bem de família é impenhorável e inalienável, gerando verdadeira imobilidade patrimonial.
Diante do constante debate sobre a possibilidade de se realizar a constrição judicial do imóvel residencial do empregador, seja sócio ou administrador de sociedade, para satisfazer os créditos do trabalhador na fase executiva de reclamação trabalhista quando o reclamante não vislumbra outros meios para quitar a execução, a própria Lei nº 8.009/90 expressamente relaciona as hipóteses em que é possível a penhora do bem de família e, dentre as quais se inclui o processo trabalhista e previdenciário relacionado aos empregados domésticos que trabalhavam no referido imóvel, para fins de saldar essas dívidas.
Ainda não pode prevalecer o argumento comumente utilizado pelos reclamantes que querem ver seus direitos sendo satisfeitos de que o bem não está inscrito como bem de família no respectivo Cartório de Registro de Imóveis, já que referida exigência não consta da Lei nº 8.009/90, inclusive sendo esse o entendimento do Superior Tribunal de Justiça.
A proteção legal do bem de família e a aplicação de referido instituto pelos tribunais, ao eleger a moradia da entidade familiar como a função mais relevante a ser cumprida pelo imóvel, asseguram o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, fundamento de nosso Estado, na medida em que se assegura ao devedor que, por mais dívidas que esse tenha, a casa onde mora com sua família estará resguardada, e não se sujeitará à penhora, garantindo-se, assim, um mínimo que lhe permita a existência digna.
Catia Zillo Martini é advogada de Zilveti e Sanden Advogados em São Paulo ( cmartini@zilvetisanden.com.br)