22 de abril de 2021
Por Caio César Rodrigues
Em 21/11/2017, a 36ª Câmara de Direito Privado do TJ/SP proferiu famosa decisão com entendimento de que, “por se tratar de bem imaterial com conteúdo patrimonial, em tese, não há óbice para que a moeda virtual possa ser penhorada para garantir a execução”, apenas negando provimento ao pedido de envio de ordem de penhora de eventuais criptomoedas do Executado por falta de comprovação da efetiva titularidade destes bens.
Desta forma, evidentemente houve a abertura de precedente para posteriores pedidos neste sentido, desde que comprovada sua a existência, deixando muitos advogados (as) bem animados à época com sua repercussão.
Entretanto, não é isso que vem ocorrendo. Desde então, outros julgamentos de casos semelhantes ocorreram, nos quais se observa constantemente enorme dificuldade para o deferimento da almejada medida de constrição de moedas virtuais para satisfação de Execução
Dentre estes julgados, em 05 de abril de 2021, foi proferido recente Acórdão nº 2021.0000251360, pela 17ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, no qual se evidencia bem o óbice existente.
Trata-se de recurso de agravo de instrumento, em que busca a Exequente pela modificação de decisão que indeferiu seu pedido de realização de pesquisas de valores perante as operadoras de criptomoedas, visando verificar se eventualmente a Executada detém tais valores, e, sendo positivo, fosse deferida sua penhora.
Neste sentido, o Exequente, visando preencher o requisito estabelecido pelo supramencionado precedente de 2017, busca a comprovação da titularidade destes ativos por parte do Executado, através da expedição de ofícios às exchanges, ou seja, às empresas que efetivamente armazenam e/ou negociam as moedas virtuais, para só então pretender pelo envio de ordem de penhora.
Contudo, o pedido recursal foi negado. Em sua fundamentação, explicam os julgadores que, ainda assim, seria necessária prévia comprovação nos autos de que efetivamente os Executados são possuidores do bem, e, fora isso, escoram seu entendimento de impossibilidade na ausência de regulamentação em relação a comercialização das moedas virtuais no Brasil.
Baseiam-se os Magistrados no Comunicado nº 31.379, emitido pelo Banco Central em 16/11/2017 (anterior ao precedente), o qual faz saber que essas empresas “não são reguladas, autorizadas ou supervisionadas” pelo mesmo, não havendo, além disso, “arcabouço legal e regulatório relacionado com o Sistema Financeiro Nacional, dispositivo específico sobre moedas virtuais”, desta maneira não regulando nem supervisionando operações com moedas virtuais.
Com isso, se evidencia de forma límpida outro obstáculo apontado pelos Magistrados: justamente a não regulação das exchanges e das próprias operações com criptomoedas. Não se mostra de grande utilidade o entendimento precedente já mencionado – de que seria sim efetivamente possível a penhora de moedas virtuais – sendo que, evidentemente, não haverá como isto se concretizar de maneira prática.
Em outras palavras, de nada adianta ser reconhecida a penhorabilidade de criptomoedas, no passo em que, primeiro, não será possível realizar a busca de eventuais ativos através de expedição de ofício para comprovar sua existência, e, ainda que se consiga esta comprovação de alguma outra maneira, não será admito o pedido de envio de ordem de penhora efetivamente.
De acordo com a Crypto.com – empresa de pesquisa e análise de dados de criptomoedas – após realizar levantamento no final de 2020 junto a seis corretoras de criptomoedas atuantes no Brasil, foi constatado um notório crescimento tanto no número de usuários nestas exchanges, quanto na quantidade de negociações, evidenciando o aumento de adoção de investimentos em criptoativos por parte dos brasileiros.
Este fato, somado à já sabida crescente possibilidade da utilização de moedas virtuais para compra e venda no dia a dia, tanto no campo dos investimentos até como moeda de pagamento no varejo, cada vez mais ampla com o avanço tecnológico e a adaptação do mercado, torna a situação de fato preocupante. Isto porque, na medida em que boa parte do patrimônio de devedores, tanto empresas quanto pessoas físicas, poderá ser formado essencialmente de moedas virtuais, poderão não ser, portanto, atingidos em ações executórias.
Ante todo o exposto, se mostra de suma importância que o Banco Central comece a se adaptar às mudanças, já não tão recentes, no cenário monetário mundial, no qual o Brasil e os brasileiros estão cada vez mais presentes. Neste passo, a regulamentação e autorização do uso de moedas virtuais, mais que nunca, vem se mostrando imprescindíveis para diversas finalidades, entre elas, a viabilização de penhora destes bens para satisfação de Execuções.
Acórdão nº 2021.0000251360
https://esaj.tjsp.jus.br/cjsg/getArquivo.do?cdAcordao=14515481&cdForo=0