Entre Inovações e Controvérsias: O Novo Capítulo da Lei de Falências Brasileira

Em 26 de março, iniciou-se o que pode ser considerado um ponto de virada significativo na legislação empresarial brasileira, quando o Plenário da Câmara dos Deputados aprovou uma proposta ambiciosa – e apressada – que altera a Lei de Falências do país. Com uma maioria esmagadora de 378 votos a favor e apenas 25 contra, o projeto, agora a caminho do Senado, introduz elementos que podem tanto modernizar quanto complicar o já complexo universo das recuperações judiciais e falências.

Este novo capítulo na legislação falimentar brasileira é orquestrado pela deputada Dani Cunha (União-RJ), cujo substitutivo ao Projeto de Lei 3/24, oriundo do Poder Executivo, traz uma série de mudanças significativas. Entre as mais notáveis está a criação do gestor fiduciário, uma figura destinada a ampliar o poder dos credores nos processos falimentares. Mas, ao mesmo tempo, suscita questionamentos sobre a efetividade e as implicações dessas mudanças.

A figura do gestor fiduciário, escolhido pela assembleia-geral de credores, é talvez a inovação mais emblemática, com o objetivo de agilizar o processo de falência e recuperação judicial. Essa nova figura terá a tarefa de elaborar um plano de falência e administrar a venda de ativos para cobrir os custos do processo e pagar os credores. E ele surge às custas do Administrador Judicial, que sai de cena em processos falimentares, apenas atuando caso não ocorra a eleição do gestor.

Porém a mudança é polêmica. Atribuir ao gestor fiduciário a responsabilidade por agilizar procedimentos desta natureza é dizer que a causa da morosidade atual é atribuível somente aos administradores judiciais, e sabemos que não é o caso. Ativos de difícil liquidação, burocratização do procedimento e morosidade do judiciário são fatores que contribuem para esta situação, tornando difícil acreditar que, na prática, esta mudança alcançará o objetivo que a justifica.

Outro argumento utilizado para justificar as mudanças é a de quem eventualmente, os interesses do administrador judicial podem conflitar com os dos credores, já que este é remunerado durante os trabalhos, não sendo incentivado a impulsionar o feito. A perspectiva de moralizar o processo falimentar, limitando os salários dos administradores judiciais, pode soar bem-intencionada, mas será que a equação entre moralidade e eficiência se resolverá apenas com tetos salariais, ou será necessário revisitar as bases da gestão falimentar no Brasil?

A crítica ao projeto não se restringe apenas à sua eficácia ou aos seus potenciais custos operacionais. Há também um questionamento profundo sobre a urgência com que foi tratada a matéria. A velocidade da aprovação, embora possa refletir a necessidade de respostas rápidas para um sistema falimentar muitas vezes lento e ineficaz, também pode indicar uma falta de debate aprofundado sobre as consequências de longo prazo dessas mudanças, além de gerar desconfiança.

Além disso, a reforma propõe um equilíbrio delicado entre a agilidade processual e a proteção dos interesses dos credores, sem, no entanto, garantir que esse equilíbrio seja alcançado na prática. O risco é que, na busca por tornar os processos de falência mais eficientes, acabem-se por comprometer direitos e garantias já estabelecidos.

Outro aspecto que merece atenção é a capacitação e a escolha dos gestores fiduciários. Embora a intenção de profissionalizar e especializar a gestão dos processos de falência seja louvável, a eficácia dessa medida dependerá da qualidade da formação desses profissionais e dos critérios de sua seleção. Sem um rigoroso processo de qualificação, corre-se o risco de que a nova figura do gestor fiduciário não atenda às expectativas criadas, além do que, uma vez atribuída aos credores a função de eleição deste, tem-se o risco de se privilegiar credores majoritários.

Ou seja, o projeto aprovado pela Câmara dos Deputados levanta uma série de questões críticas que precisam ser cuidadosamente consideradas pelo Senado. Será essencial garantir que a reforma, ao invés de simplesmente alterar o equilíbrio de poder entre credores e devedores, contribua para uma maior eficiência do procedimento.

Neste contexto de reforma e inovação, o debate não deve ser silenciado pela urgência ou pela conveniência política. É imperativo que todas as vozes sejam ouvidas, especialmente aquelas com experiência prática nos intricados processos de falência e recuperação judicial.

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