ILEGALIDADE DA COBRANÇA ANTECIPADA DE IR SOBRE RENDA NÃO REALIZADA EM SOCIEDADES NO EXTERIOR

Nos últimos anos, muitos brasileiros passaram a constituir sociedades no exterior, conhecidas como offshores, como instrumentos de organização patrimonial. Essas estruturas são frequentemente adotadas para centralizar investimentos, viabilizar estratégias sucessórias e facilitar a governança.

Com a entrada em vigor da Lei nº 14.754/2023, o tratamento tributário dessas entidades sofreu alterações relevantes. A lei passou a prever a tributação automática, em 31 de dezembro de cada ano, sobre os lucros apurados por sociedades controladas no exterior e sobre a valorização contábil de ativos, ainda que tais valores não tenham sido distribuídos aos sócios ou acionistas.

Regimes previstos na Lei

O novo regime estabelece dois modelos distintos. No regime denominado opaco, previsto no artigo 5º da Lei, os lucros das controladas no exterior são apurados por competência e tributados no fechamento do exercício, ainda que não tenham sido efetivamente distribuídos aos sócios ou cotistas. Nesse modelo, também podem ser alcançados pela tributação reflexos decorrentes de simples valorização contábil de ativos – como, por exemplo ações ou participações societárias – mesmo que não tenham sido alienados. Isso ocorre porque, no regime opaco, a base de cálculo do imposto corresponde ao lucro contábil apurado no balanço da empresa, considerando o valor de mercado de todos os ativos, ainda que inexista qualquer realização ou disponibilização econômica efetiva.

Por sua vez, no regime transparente, previsto no artigo 8º, o contribuinte informa diretamente em sua declaração de ajuste anual os bens e direitos detidos pela sociedade no exterior. Nessa hipótese, a tributação ocorre apenas no momento da efetiva realização econômica, isto é, quando ocorre o resgate, alienação ou liquidação dos ativos. Além disso, há previsão de que os lucros somente são tributados quando efetivamente distribuídos ao titular no Brasil.

Fundamentos da controvérsia

A cobrança de imposto de renda sobre lucros não distribuídos e ganhos não realizados suscita sérias objeções de ordem constitucional e legal. O artigo 43 do Código Tributário Nacional estabelece, de forma inequívoca, que há incidência do imposto de renda apenas quando há aquisição de disponibilidade econômica ou jurídica da renda. A interpretação sistemática desse dispositivo conduz ao entendimento de que somente se configura renda tributável quando verificado um acréscimo patrimonial concreto, incorporado de modo efetivo ao patrimônio do contribuinte.

Nesse sentido, tanto a doutrina quanto a jurisprudência têm reiterado que a tributação exige a efetiva materialização de riqueza nova, e não a simples expectativa de ganho futuro ou variação nominal de ativos. Ao deslocar o fato gerador para um momento em que inexiste ingresso efetivo de recursos — como ocorre na tributação de lucros não distribuídos ou de valorizações contábeis ainda não realizadas — o legislador cria uma ficção de riqueza incompatível com o princípio constitucional da capacidade contributiva e com a própria noção de renda, tal como delimitada pelo artigo 43 do CTN.

Jurisprudência atual

A jurisprudência recente reforça esse entendimento. A Justiça Federal já afastou a incidência de imposto de renda sobre valorização contábil de ações, reconhecendo que não há renda sem realização. O Supremo Tribunal Federal, em julgamento de repercussão geral, consolidou que a materialidade do imposto de renda está vinculada à existência de acréscimo patrimonial efetivo.

Impactos para investidores pessoa física

Para investidores pessoas físicas, a tributação automática prevista pela lei representa riscos relevantes. Ela compromete a liquidez, ao exigir pagamento de imposto sem ingresso de caixa, reduz a previsibilidade na gestão patrimonial internacional e cria insegurança jurídica sobre investimentos legítimos. Por outro lado, a defesa da não incidência sobre lucros não distribuídos e sobre valorização contábil protege o contribuinte contra exigências indevidas e alinha a tributação brasileira aos parâmetros constitucionais e às melhores práticas internacionais.

Como podemos ajudar?

Nosso escritório está preparado para analisar cada estrutura de forma individualizada, propor medidas judiciais preventivas e estruturais e assegurar a conformidade legal com eficiência tributária. A adoção de estratégias adequadas é fundamental para proteger o patrimônio de contribuintes brasileiros com investimentos internacionais frente às distorções introduzidas pela Lei nº 14.754, de 2023.

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