Como separar controle e patrimônio no planejamento sucessório?
A estruturação de uma holding familiar é uma das formas mais eficazes de realizar um planejamento sucessório e patrimonial.
Além de organizar bens e participações, ela permite distribuir direitos e deveres entre os sócios de maneira equilibrada, garantindo controle, continuidade e segurança jurídica.
Dentro dessa estrutura, segregar o capital social em quotas de classes especiais surge como uma estratégia altamente eficiente. Por meio dessa ferramenta, é possível dissociar o poder de controle e administração do direito econômico, atribuindo a determinadas classes de quotas prerrogativas específicas quanto a voto, veto, administração ou meramente patrimoniais.
O Papel das Quotas de Classes Especiais no Planejamento Sucessório
O planejamento sucessório contemporâneo busca equilibrar a manutenção do controle societário com a participação econômica justa e proporcional dos herdeiros, respeitando diferentes perfis, graus de envolvimento e responsabilidades na condução do negócio familiar.
Nesse contexto, a estruturação do capital social em quotas de classes especiais, dotadas de prerrogativas de natureza política, revela-se uma solução juridicamente sofisticada e eficiente. Por meio dessa técnica, é possível concentrar o exercício do poder de voto, de veto e de administração em determinados sócios, usualmente aqueles diretamente envolvidos na gestão, ao mesmo tempo em que se assegura aos demais herdeiros o direito à participação econômica nos resultados da sociedade, sem ingerência na condução dos negócios.
O Que São Quotas em uma Sociedade Limitada?
Nas sociedades limitadas (Ltda.), o capital social é dividido em quotas, que representam a fração de participação de cada sócio.
Essas quotas podem ser ordinárias (com voto) ou preferenciais (sem voto), e cada tipo confere direitos e deveres distintos.
Quotas Ordinárias: Direitos Políticos e Controle da Gestão
As quotas ordinárias representam a participação tradicional na sociedade.
Elas conferem direito de voto, poder de veto e o direito de participar das decisões.
Em holdings familiares, essas quotas são normalmente mantidas pelos fundadores ou administradores, preservando o controle da empresa dentro do núcleo decisório.
Quotas Preferenciais: Direitos Econômicos e Vantagens Patrimoniais
As quotas preferenciais são de natureza puramente econômica.
Elas concedem vantagens financeiras, como dividendos prioritários ou garantidos, em troca da limitação ou supressão do direito de voto.
Essas quotas são atribuídas, em geral, a herdeiros ou investidores, que desejam participar do patrimônio sem interferir na gestão empresarial.
Base Legal: Código Civil e Instrução Normativa DREI nº 81/2020
Artigo 1.055 do Código Civil e a Liberdade Contratual
O art. 1.055 do Código Civil assegura que o contrato social pode definir a participação dos sócios nos lucros e perdas, permitindo diferenciações de direitos entre quotas.
Essa liberdade contratual é a base jurídica que torna possível a criação de quotas preferenciais e a divisão em classes.
Reconhecimento das Quotas Sem Direito a Voto pela IN DREI nº 81/2020
A Instrução Normativa nº 81/2020, do Departamento Nacional de Registro Empresarial e Integração (DREI), consolidou expressamente a validade das quotas sem direito de voto em sociedades limitadas.
A norma também autorizou a divisão de quotas em classes (A, B, C, etc.), cada uma com direitos e restrições específicos — ferramenta essencial para adaptar a governança familiar.
A Estrutura das Classes de Quotas
As classes de quotas permitem agrupar participações com os mesmos direitos, simplificando a gestão e compatibilizando os interesses dos sócios.
Classe Direitos Políticos Direitos Econômicos Titulares Comuns Classe A (Ordinárias) Voto e veto pleno Participação proporcional Fundadores e administradores Classe B (Preferenciais) Sem voto Dividendos prioritários Herdeiros e investidores Classe C (Especiais) Veto restrito Dividendos condicionais Sócios estratégicos

Aplicação Prática em Holding Familiar
A diferenciação das classes de quotas, no âmbito do Planejamento Sucessório Familiar, obedece a uma lógica clara e objetiva:
- Objetivo central: conciliar o controle da empresa com a justa remuneração dos herdeiros.
- Sócio administrador: detém quotas ordinárias (com voto e veto).
- Herdeiros/investidores: recebem quotas preferenciais (sem voto, mas com dividendos garantidos).
- Resultado: o controle permanece com quem administra, enquanto todos participam financeiramente dos lucros.
Essa separação evita conflitos de gestão, preserva o comando da empresa e garante justiça patrimonial entre os membros da família.
Separação Entre Controle e Patrimônio
A principal vantagem dessa estrutura é a separação entre direitos políticos e direitos econômicos.
- Controle (político): fica com os detentores das quotas ordinárias.
- Patrimônio (econômico): pertence aos titulares das quotas preferenciais, com prioridade na distribuição de lucros.
Essa distinção assegura continuidade administrativa, mesmo diante de situações de herança litigiosa, e garante que a gestão permaneça nas mãos de quem está preparado para conduzir os negócios.
Acordo de Sócios: Complemento Essencial à Estrutura de Quotas
O Acordo de Sócios é o instrumento que reforça as regras internas e complementa a estrutura de quotas diferenciadas. Ele atua como mecanismo de governança e proteção sucessória.
Proteção da Vontade dos Fundadores – Garante que o poder de voto e veto será exercido de acordo com a vontade original do fundador ou patriarca.
Controle da Transferência de Quotas – Permite restringir a venda ou sucessão de quotas para terceiros, assegurando que o controle permaneça dentro da família.
Distribuição de Lucros e Dividendos – Define critérios objetivos de pagamento, equilibrando as expectativas dos sócios preferenciais com a política de reinvestimento.
Resolução de Conflitos – Prevê mediação ou arbitragem privada, preservando o sigilo e evitando longas disputas judiciais entre familiares
A Governança como Pilar do Legado Familiar
As quotas preferenciais em holding familiar representam um instrumento poderoso de planejamento sucessório. Elas permitem preservar o comando dos negócios, evitar disputas familiares e assegurar a justa participação patrimonial dos herdeiros.
Quando aliadas a um Acordo de Sócios bem redigido, essas quotas tornam-se a base da governança e perenidade do legado familiar.