CIDE-ROYALTIES: A CONSTITUCIONALIDADE DA EXIGÊNCIA SOBRE REMESSAS AO EXTERIOR SEM TRANSFERÊNCIA DE TECNOLOGIA EM JULGAMENTO PELO STF.

O Supremo Tribunal Federal iniciou, em 29 de maio de 2025, o julgamento do Tema nº 914 da Repercussão Geral (RE 928.943/PR), que discute a constitucionalidade da exigência da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (CIDE) sobre remessas ao exterior decorrentes de contratos que não envolvam transferência de tecnologia.

A controvérsia em questão extrapola o plano estritamente técnico-tributário, pois envolve o exame do limite constitucional à intervenção estatal na economia por meio de contribuições parafiscais com destinação específica, especialmente quando dissociadas da finalidade que motivou sua criação legislativa. O julgamento tem forte impacto sobre contratos internacionais de prestação de serviços, licenciamento de software, cessão de direitos autorais e pagamento de royalties em geral — atividades corriqueiras nas operações transnacionais das empresas brasileiras.

A natureza jurídica da CIDE e sua finalidade normativa

A CIDE-Remessas, também conhecida como CIDE-Royalties, foi instituída pela Lei nº 10.168/2000 com a finalidade declarada de financiar o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), a partir da tributação de remessas ao exterior vinculadas a contratos que envolvam transferência de tecnologia e assistência técnica especializada.

De natureza parafiscal, a contribuição está vinculada à realização de determinada atividade estatal — neste caso, o fomento à pesquisa tecnológica —, e por isso deve manter nexo de pertinência entre a hipótese de incidência e a destinação dos recursos arrecadados.

Contudo, ao longo dos anos, a Receita Federal passou a adotar interpretação extensiva da base de incidência da CIDE, ampliando-a para alcançar contratos que envolvam licenciamento de uso de software sem transferência de código-fonte, serviços técnicos genéricos, serviços advocatícios, consultorias estratégicas e até mesmo remunerações decorrentes de uso de direitos autorais. Tal alargamento de escopo descolou a exigência da contribuição de sua finalidade legal e constitucional, gerando distorções relevantes na ordem tributária e insegurança jurídica nas operações internacionais.

O julgamento do STF e o voto do Ministro Luiz Fux

O julgamento em curso no STF analisa, sob o viés da constitucionalidade, se a CIDE pode incidir sobre remessas ao exterior desvinculadas da efetiva transferência de tecnologia.

O Ministro Luiz Fux, relator do caso, votou pela inconstitucionalidade da exigência, com base nos seguintes fundamentos:

  • A CIDE-Remessas somente se justifica quando o contrato internacional envolver transferência de tecnologia, pois somente nestes casos há benefício direto que justifique a intervenção estatal em favor da inovação.
  • A ampliação da incidência para contratos sem qualquer conteúdo tecnológico fere os princípios da legalidade tributária estrita e da não afetação de receita fora de sua destinação específica.
  • O relator também propôs a modulação de efeitos da decisão, sugerindo a restrição do direito à restituição aos contribuintes que houverem ajuizado ação antes da publicação da ata do julgamento.

Divergência do Ministro Flávio Dino e riscos de julgamento apertado

O Ministro Flávio Dino apresentou voto divergente, sustentando a constitucionalidade plena da CIDE sobre todas as remessas ao exterior que envolvam remuneração de contratos de natureza técnica ou intelectual. Segundo o voto divergente:

  • A CIDE possui natureza de contribuição especial de intervenção no domínio econômico, de caráter extrafiscal, e não se submete a limites tão estritos de tipicidade quanto os impostos ou taxas.
  • A interpretação da legislação infraconstitucional pode (e deve) ser ampliativa, de modo a alcançar toda e qualquer exploração econômica que tenha reflexos no domínio tecnológico nacional, mesmo que a transferência de tecnologia não seja formalmente reconhecida.
  • O próprio Supremo já admitiu, em precedentes esparsos, interpretação extensiva em temas correlatos, como no caso da CIDE-combustíveis e da CIDE-internet.

Com a votação empatada em 1×1, o julgamento será retomado em 06/08/2025, com expectativa de grande repercussão. Há forte possibilidade de encerramento nesta data, o que impõe um senso de urgência para os contribuintes interessados na preservação de seu direito à restituição.

Repercussões práticas

A depender do desfecho do julgamento, os efeitos práticos são consideráveis:

  • Caso o entendimento do Ministro Fux prevaleça, haverá reconhecimento da inconstitucionalidade da exigência da CIDE sobre uma ampla gama de contratos atualmente tributados, permitindo a recuperação de valores recolhidos indevidamente nos últimos 5 anos.
  • No entanto, se for acolhida a proposta de modulação de efeitos, apenas os contribuintes que ajuizarem ação judicial antes da publicação da ata do julgamento terão direito à restituição, mesmo que o STF reconheça a inconstitucionalidade da exigência de forma genérica.

Empresas que celebram contratos internacionais para fornecimento de software, consultorias, treinamentos, serviços jurídicos ou de propriedade intelectual devem, portanto, avaliar imediatamente sua exposição à CIDE, bem como a viabilidade de medidas judiciais de proteção.

O julgamento do Tema nº 914 da Repercussão Geral representa um marco na delimitação dos contornos constitucionais das contribuições de intervenção no domínio econômico. A eventual declaração de inconstitucionalidade da CIDE sobre remessas sem transferência de tecnologia restabelece a coerência entre o fato gerador da exação e sua destinação legal, reforçando a função extrafiscal legítima dessas contribuições.

Contudo, o risco de modulação de efeitos impõe uma estratégia jurídica proativa: os contribuintes que não se anteciparem ao julgamento e não ajuizarem medida judicial até a publicação da ata poderão perder definitivamente o direito à restituição dos valores pagos indevidamente.

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