No princípio, o Bitcoin roubava todas as atenções. Uma criptomoeda independente de governos, com lastro digital e cotações absurdas roubava todas as manchetes. Mas para que o Bitcoin fosse possível, precisava de uma tecnologia ainda mais inovadora rodando por trás: o blockchain.
Na prática e em resumo, o blockchain é um conjunto de registros de transações que tem autonomia para autenticar outros registros — eliminando agentes intermediários, como bancos e instituições financeiras.
Por natureza, a tecnologia do blockchain é virtualmente impossível de ser corrompida — caso algum agente mal intencionado queira alterar algum registro, a cadeia de blocos identifica a movimentação e não permite que o registro seja integrado. O que vai determinar o nível de segurança é se uma determinada cadeia de registros é pública ou privada.
“Toda tecnologia nova enfrenta o desafio de mostrar-se confiável, mas o blockchain é a única, em toda a era moderna, que permite que a confiança seja uma característica implícita da tecnologia”, explica Guilherme Reis, consultor e gestor de projetos em tecnologia que estuda blockchain e criptomoedas há sete anos.
Segundo Reis, o desafio maior é fazer os potenciais clientes entenderem o funcionamento da tecnologia e como ela pode beneficiar o negócio. “Uma vez que eles tenham entendido, verão que não existe nada mais confiável que um sistema em blockchain. Por isso digo que é a tecnologia mais disruptiva das últimas décadas”, afirma.
Reis coordenou, no final de setembro, o evento Blockchain: o futuro chegou, realizado em Belo Horizonte. O foco não era apenas explicar o conceito da tecnologia, mas reunir empreendedores brasileiros que já desenvolvem soluções baseadas em blockchain para empresas de diversos setores, como hospitalar, logística, cartorial, dentre outros. Outros dois eventos já estão na agenda para os próximos meses.
A movimentação em torno do tema demonstra que o blockchain conta com rápida absorção no mercado — alguns setores têm uma forte demanda reprimida. A adoção de blockchain pode não só garantir segurança e autenticidade para os negócios, como também reduzir custos.
“Quando todas as transações, sua integridade e seu conteúdo, são talhados na blockchain, não só o papel de um ‘verificador central’ se torna desnecessário, mas a necessidade de uma parte ter conhecimento de toda a operação também é extinta”, conta o advogado Flávio Fujita, do Zilveti Advogados, autor de estudos e artigos sobre blockchain.
Poder da descentralização
O blockchain funciona como um livro-razão público, onde qualquer agente pode submeter novos registros. Essa distribuição é o que confere a segurança que torna a tecnologia tão ou mais valiosa do que o próprio bitcoin. No entanto, deve-se entender que existem cadeias de registros públicas e privadas — e isso pode determinar o grau de segurança e de auditabilidade.
“O bitcoin se baseia em uma blockchain pública”, lembra Allison Berke, diretor executivo da Stanford Cyber Initiative, em artigo na Harvard Business Review. O fato de ser pública também permite que os registros sejam auditados por autoridades independentes.
“O processo pelo qual uma rede de nós confirma o registro de uma transação verificada — e pelo qual também verifica novas transações — é conhecido como protocolo de consenso”, detalha Berke. Com essa tecnologia, podem ser desenvolvidas aplicações que vão além do setor financeiro.
Rodrigo Batista, fundador do Mercado Bitcoin, aponta alguns setores que devem ser impactados nos próximos anos. “Existem hoje projetos que almejam substituir cartórios, despachantes, contadores e outros tipos de intermediários”, conta, reconhecendo que a maioria das soluções no Brasil ainda é experimental.
Fujita, por sua vez, recomenda cautela. “Nem mesmo o blockchain é 100% seguro, e alguns podem até mesmo oferecer riscos — blockchains privados podem ser muito mais vulneráveis do que os públicos, por exemplo –, e em razão disso, é necessário um cuidado enorme no desenvolvimento de uma nova solução que utilize a tecnologia”, diz.
Demanda
Atualmente, no Brasil, são as empresas-cliente quem procuram as prestadoras de serviços para desenvolver soluções. Para o fundador do Mercado Bitcoin, a tecnologia de blockchain é capaz de reduzir custos operacionais e evitar a duplicação de esforços, “além de ser uma ferramenta excelente para transparência e prestação de contas” — o que deve favorecer sua adoção no setor público futuramente.
“Tudo isso pode ser aplicado dentro de uma empresa, facilitando processos de auditoria, controle de pagamentos e inadimplência — imagine poder controlar globalmente maus pagadores –, registros hoje feitos por cartórios podem ser melhor controlados com uso de blockchain, protocolos médicos, verificação de identidade, e mesmo órgãos do governo”, ressalta.
“Normalmente há um trabalho de captação passivo, menos ativo e mais passivo. Os clientes estão procurando as empresas ao invés de elas irem até os clientes. Então a demanda nesse início tá mais favorável à empresa prestadora nesse sentido”, conta Márcio Gandra, CEO do Grupo Cortex Blockchain.
Guilherme Reis, da Sapiens Solutions, confirma que não há, nesse momento, necessidade para proatividade na busca por clientes. “A Sapiens Solutions não tem o blockchain como principal serviço. Por esse motivo, não enfrentamos dificuldades nesse sentido”, alega, embora a empresa tenha projetos em andamento na área.
“O que mais precisamos hoje é de empreendedores que queiram aprender sobre essa tecnologia e aplicar em projetos que irão resolver problemas reais, entregando soluções mais seguras, descentralizadas e com mais privacidade”, considera. Para ele, o principal gargalo está em projetos sob a tutela do Estado, que apresentariam maior dificuldade para descentralização.
Cases
Algumas soluções já estão sendo desenvolvidas e em fase de testes. Uma delas é a Healthchain.io, serviço baseado em blockchain específico para prontuários hospitalares. O projeto piloto está sendo implementado no Hospital São Francisco, em Belo Horizonte (MG) e está em fase de estudo de viabilidade técnica.
Márcio Gandra, da Cortex Blockchain, empresa responsável pelo projeto, explica que a solução “resolve um problema grave nos hospitais que é o número de processos judiciais, e muitas vezes as provas são invalidadas por serem passíveis de adulteração”. Com os prontuários registrados na blockchain, tanto a instituição de saúde quanto o paciente têm maior segurança contra adulterações nos prontuários.
No entanto, o produto mais avançado da Cortex é a Lottochain.io. A ideia é criar uma loteria totalmente pública, auditável, automatizada, confiável e internacional. Embora essa atividade no Brasil seja exclusiva da União por lei, o serviço está baseado em Melbourne, na Austrália, onde é legalizado.
A manobra já é utilizada por vários sites de apostas online. Mas a Lottochain.io vai além: “suas carteiras são impessoais e seu código não pode ser interrompido na blockchain nem por decisão judicial”, explica Gandra.
O serviço abriu a pré-venda dos tíquetes no dia 25 de novembro e deverá iniciar os sorteios na véspera de Natal. As compras podem ser realizadas com qualquer criptomoeda e os pagamentos aos sorteados são convertidos automaticamente em bitcoins. Caso seja necessário declarar os ganhos à Receita Federal, Gandra garante que o usuário pode colocar os valores na categoria de ganhos de capital.
Segundo o desenvolvedor, 75,5% do que é arrecadado é revertido em prêmios, enquanto os outros 24,5% são destinados às taxas de mineração (Bitcoin) ou gas (Ethereum, outra criptomoeda), usados para transações em smartcontract dentro das carteiras dos prêmios. Outra parte vai para a equipe de desenvolvimento e marketing. Um único token dá direito a três sorteios — diário, semanal e mensal.
Para Gandra, a maior vantagem é que o sistema é justo. Não tem intermediários humanos nem centraliza as operações, o código é aberto e auditável e a participação é anônima. Esses predicados tornam o sistema imune a fraudes ou esquemas de lavagem de dinheiro, segundo o criador.
O espectro de aplicação da tecnologia blockchain é extremamente diverso — logística, gestão, combate à sonegação, apostas, pagamentos, dentre outros. É uma inovação que pode não apenas proporcionar novos produtos, mas garantir autenticidade e reduzir os custos em qualquer processo. É a clássica inovação back-end que o consumidor irá sentir com a melhora dos serviços e a possível redução dos preços.
Fonte: Portal Administradores goo.gl/WWhbkB