Conforme amplamente publicado pela imprensa, no dia 11 de janeiro de 2023 foi divulgado via Fato Relevante pela Americanas S.A., a detecção de inconsistências em lançamentos contábeis na ordem de aproximadamente R$ 20 bilhões, oriundas, em grande parte, de operações de risco sacado, não devidamente contabilizadas. Tal fato resultou na formulação de um pedido de Recuperação Judicial da companhia, cujo processamento foi deferido no dia 19 de janeiro de 2023.
Através deste material, traremos um resumo sobre esta modalidade de procedimento, bem como abordaremos as etapas já percorridas no Caso Americanas, bem como os próximos passos.
A Recuperação Judicial é um processo que objetiva a reestruturação de empresas que enfrentam o risco de insolvência. Ao contrário do que se acredita, não se trata de procedimento anterior à falência. Através da Recuperação Judicial, as empresas buscam justamente evitar o encerramento de suas atividades e se reorganizar financeiramente para honrar as dívidas pretéritas e manter um fluxo financeiro saudável e sustentável. Para que o tal resultado seja obtido, a legislação prevê para as empresas em recuperação judicial algumas proteções, bem como impõe alguns requisitos para que as empresas possam permanecer sob o manto desta lei.
Assim, quando a companhia apresenta o pedido, caso o juiz competente entenda pelo cumprimento dos requisitos para tanto, este defere o processamento da Recuperação Judicial, suspendendo por 180 dias (prazo de blindagem) as execuções contra a empresa, impedindo determinadas medidas para atingir os seus bens. Tal período pode ser prorrogado uma vez, em igual prazo.
Na sequência, a companhia deve apresentar a lista de credores, que terão o prazo de 15 dias para apresentar suas divergências quanto aos créditos relacionados. Passado esse prazo, o administrador judicial deverá apresentar no prazo de 45 dias uma lista retificada de credores. A partir dessa lista, os credores e a companhia têm 10 dias para apresentar nova impugnação diretamente ao juiz da recuperação judicial.
Em paralelo ao prazo de blindagem e à lista de credores, a companhia dispõe de um prazo de 60 dias para apresentar seu Plano de Recuperação Judicial. Esse plano deve discriminar sua viabilidade econômica e financeira e conter as medidas que serão adotadas para o soerguimento da empresa. Este plano poderá ser, posteriormente, complementado.
Os credores, por sua vez, terão um prazo de 30 dias para manifestar objeções ao plano apresentado. Se houver objeções, uma assembleia de credores será convocada para votar o plano. Na assembleia poderá haver negociações entre devedora e credores, alterando-se o plano proposto.
Caso não haja aprovação, o administrador judicial concederá aos credores o prazo de 30 dias para propor um Plano de Recuperação Judicial alternativo. Se houver aprovação de um Plano de Recuperação Judicial em qualquer dos casos, este representará as novas condições do passivo da companhia, incluindo taxas de juros aplicáveis, prazo de pagamento, entre outros.
Se credores e empresa não chegarem a um acordo sobre os Planos de Recuperação Judicial propostos e discutidos, o juízo declarará a falência da companhia. Caso o plano seja aprovado, passa-se à etapa de cumprimento deste.
Abaixo, traçaremos uma linha do tempo resumindo os principais acontecimentos envolvendo o procedimento das Americanas até então:
- 11/01/2023: Divulgação do Fato Relevante informando inconsistências contábeis e renúncia do CEO (Sergio Rial) e CFO (André Covre);
- 12/01/2023: Sergio Rial (ex-CEO) organiza uma teleconferência e fornece mais detalhes sobre as inconsistências contábeis encontradas;
- 13/01/2023: Credores se movimentam e começam a solicitar o vencimento antecipado das dívidas da companhia;
- 13/01/2023: Notícias indicam uma movimentação dos principais acionistas, que propuseram um aumento de capital de R$ 6 bilhões, enquanto bancos credores exigiram um mínimo de R$ 10 bilhões;
- 13/01/2023: A companhia consegue uma Tutela de Urgência, suspendendo por 30 dias o vencimento antecipado das dívidas e quaisquer obrigações, em um movimento preparatório para a Recuperação Judicial;
- 16/01/2023: A companhia anuncia a contratação do Rothschild & Co como seu representante no processo de reestruturação com credores;
- 17/01/2023: Nova CFO Camille Faria é anunciada;
- 18/01/2023: Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, em liminar, permitiu ao BTG Pactual a compensação de R$ 1,2 bilhão do caixa da Americanas depositados no banco, devendo o valor amortizado pelo BTG permanecer bloqueado na conta do credor até decisão final do Mandado de Segurança;
- 19/01/2023: Apresentado o pedido de Recuperação Judicial;
- 19/01/2023: Deferido o processamento da Recuperação Judicial;
- 23/01/2023: Anúncio da contratação da consultoria global de serviços Alvarez & Marsal (“A&M”) para atuar como PMO (Project Management Office) (“PMO”) em relação ao processo de Recuperação Judicial;
- 25/01/2023: Divulgada lista de credores, com dívida total de R$ 41,2 bilhões a 7.967 nomes;
- 25/01/2023: Revogada liminar em Mandado de Segurança, e liberado à Americanas o valor de R$ 1,2 bilhão de recursos que estavam em poder do banco BTG Pactual, assim como valores que tinham sido bloqueados pelos Bancos Safra e Votorantim;
- 25/01/2023: Americanas requer extensão aos Estados Unidos dos mecanismos de proteção oriundos do processo de Recuperação Judicial do Brasil;
- 27/01/2023: Acatado pedido de investigação de fraude pelo Bradesco, para busca e apreensão de provas contra a Americanas, objetivando a responsabilização dos envolvidos, incluindo acionistas de referência;
- 30/01/2023: A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) abriu dois inquéritos administrativos relativos ao caso da Americanas, para investigar o uso de informações privilegiadas (insider trading), bem como as irregularidades das inconsistências contábeis;
- 03/02/2023: A Americanas negou, em Comunicado ao Mercado, que esteja em curso qualquer negociação para a venda da Hortifruti Natural da Terra. Na mesma data, a varejista anunciou, em Fato Relevante: (i) a contratação das empresas IBPTECH, FTI Consulting e ICTS Security, com o objetivo de garantir a integridade da preservação de informações e documentos da Companhia; e (ii) a deliberação, pelo Conselho de Administração, do afastamento dos diretores estatutários Anna Christina Ramos Saicali, José Timotheo de Barros e Márcio Cruz Meirelles, e os executivos Fábio da Silva Abrate, Flávia Carneiro e Marcelo da Silva Nunes, durante o curso das apurações das devidas inconsistências contábeis;
- 08/02/2023: A CVM abriu dois procedimentos para analisar se houve irregularidades na conduta da prestação de serviços de auditoria pelas empresas KPMG e PwC, entre os anos 2017 e 2022;
- 11/02/2023: A Americanas apresentou a lista de credores revisada;
- 15/02/2023: A Americanas divulgou, em Fato Relevante, a eleição do Sr. Leonardo Coelho Pereira para o cargo de CEO, com efeito imediato.
Como próximo passo importante, teremos a apresentação do plano de Recuperação de Recuperação Judicial pela companhia, que poderá ser objeto de objeções. Caso efetivamente ocorram, haverá o agendamento de uma assembleia de credores, para aprovação ou não do respectivo plano que, como dito, pode ser ajustado.
Além do mais, as investigações contra os responsáveis correrão em paralelo, podendo haver penalizações nos âmbitos penal, cível e administrativo.
Portanto, é de suma importância que os credores da companhia, bem como aqueles lesados pela prática fiquem atentos ao procedimento, pois é a partir da Recuperação Judicial que os credores poderão reaver seus créditos, impugnar ou habilitar os valores caso necessário e acompanhar o respectivo planejamento para soerguimento da empresa com o respectivo pagamento.
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