Possibilidade de apropriação de crédito de ICMS sobre produtos intermediários

O ICMS, por essência, é um imposto não cumulativo, de modo que é garantido constitucionalmente o direito à compensação do tributo devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias com o montante cobrado nas etapas anteriores, conforme disposto no art. 155, § 2º, I da Constituição Federal1.

A partir desta premissa, a legislação infraconstitucional passou a regulamentar as hipóteses e balizas para o creditamento do ICMS na cadeia produtiva das empresas e, neste sentido, a Lei Kandir (Lei Complementar 87/1996), no caput de seu art. 202, permitiu a tomada de créditos das mercadorias destinadas à revenda e dos bens adquiridos destinados “ao seu uso ou consumo ou ativo permanente”.

No entanto, os Estados, ao regulamentarem as especificidades relacionadas ao creditamento do ICMS, acabam por impor uma interpretação restritiva quanto aos itens passíveis de crédito.

A título exemplificativo, o Regulamento do ICMS do Estado de São Paulo, somente permite o creditamento do imposto somente nas hipóteses em que i) a mercadoria integre o produto a ser posteriormente comercializado ou ii) seja imediatamente consumido durante o processo produtivo, nos termos de seu art. 66, inciso V3.

Ao estabelecer estes critérios para a utilização do crédito do ICMS, o Estado de São Paulo acabou por limitar indevidamente o creditamento sobre os produtos intermediários, que são aqueles itens indispensáveis para a realização do objeto social da empresa, mesmo não se integrando o produto final ou não sendo consumido imediatamente no processo produtivo.

Alguns exemplos de produtos intermediários são machos, fresas e brocas, que se submetem a um desgaste gradativo e não são incorporados ao produto final.

Diante deste cenário de arbitrariedade, os contribuintes têm reiteradamente ingressado judicialmente para afastar a interpretação restritiva dos Estados com relação ao creditamento do ICMS.

Relevante destacar que o Superior Tribunal de Justiça já se pronunciou sobre este tema, reconhecendo o direito ao aproveitamento de créditos de ICMS “referentes à aquisição de quaisquer produtos intermediários, ainda que consumidos ou desgastados gradativamente, desde que comprovada a necessidade de utilização dos mesmos para a realização do objeto social do estabelecimento empresarial”.4

O TJ/SP, inclusive, também tem se posicionado no sentido de permitir o creditamento de produtos intermediários utilizados pelos contribuintes do ICMS5.

Portanto, recomenda-se que as empresas que tenham sido autuadas por terem se creditado do ICMS incidente sobre os produtos intermediários, ingressem judicialmente para que seja reconhecida a legalidade do crédito sobre estes itens, assim como aquelas que ainda não sofreram a autuação, mas querem ter seu direito declarado pelo Poder Judiciário.

1  Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: (…)

§ 2º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte:        

I – será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal;

2  Art. 20. Para a compensação a que se refere o artigo anterior, é assegurado ao sujeito passivo o direito de creditar-se do imposto anteriormente cobrado em operações de que tenha resultado a entrada de mercadoria, real ou simbólica, no estabelecimento, inclusive a destinada ao seu uso ou consumo ou ao ativo permanente, ou o recebimento de serviços de transporte interestadual e intermunicipal ou de comunicação.

3 Artigo 66 – Salvo disposição em contrário, é vedado o crédito relativo à mercadoria entrada ou adquirida, bem como ao serviço tomado: (…)

V – para uso ou consumo do próprio estabelecimento, assim entendida a mercadoria que não for utilizada na comercialização ou a que não for empregada para integração no produto ou para consumo no respectivo processo de industrialização ou produção rural, ou, ainda, na prestação de serviço sujeita ao imposto.

4 AgInt no REsp nº 1486991/MT, Rel. Min. Gurgel de Faria,Primeira Turma, j. 27/04/2017, p. 21/06/2017. AgInt no REsp 1800817/SP, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 16/08/2021, DJe 20/08/2021

5 TJ-SP – Remessa Necessária Cível: 1014493-73.2018.8.26.0053, Relator: Marrey Uint, Data de Julgamento: 09/11/2021, 3ª Câmara de Direito Público, Data de Publicação: 12/11/2021.

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