Piketty e a tributação

Fernando Zilveti é livre-docente pela Faculdade de Direito da USP, professor da FGV e sócio de Zilveti Advogados

Recente matéria publicada pelo Financial Times sobre o livro sensação do momento parece desmontar a base de pensamento sobre o capital do francês Thomas Piketty. Tratam-se de problemas de cálculo, metodológicos e constatações apressadas que comprometem a doutrina do livro O Capital no Século XXI. Poderia até ser uma questão menor para um trabalho acadêmico, não fosse o fato de se propor, com base em dados levantados pelo autor, uma revisão do pensamento sobre o capital e a reforma do sistema tributário mundial. Outro fato preocupante dessa constatação se deve ao autor ser um especialista em números, premiado, inclusive, por tal predicado ainda quando estudante nos EUA.

O livro de 577 páginas assume uma posição crítica contra a concentração de riqueza que estaria promovendo o aumento da desigualdade num mundo cada vez mais globalizado. Piketty aponta suas baterias principalmente na direção dos EUA e UE, onde a desigualdade estaria em níveis semelhantes aos encontrados nesses mesmos ambientes antes da 2a. Guerra Mundial. As chamadas “contradições do capitalismo” que lhe renderam elogios de Paul Krugman e Joseph Stiglitz se basearam, portanto, em estatísticas pouco confiáveis, como o próprio Piketty reconhece ao jornal que as denunciou.

Por outro lado, não chega a ser grande novidade a afirmação de que a globalização seria responsável pela concentração de riqueza e consequente aumento do hiato existente entre ricos e pobres. Os próprios Stiglitz e Krugman sustentam isso há anos. O primeiro denunciou em seu livro sobre a globalização que os 1% mais ricos americanos detém 41% da riqueza daquele país. Piketty considera que a renda estaria atualmente concentrada mais no capital e menos no trabalho, promovendo-se a especulação financeira, que colaboraria com a tendência de serem premiados mais os ricos do que os pobres em diversas jurisdições, inclusive naquelas chamadas economias emergentes ou, como ele denomina, intermediárias.

Pois bem, no que diz respeito ao Brasil, a crítica à falta de transparência de dados sobre economia e tributação não procede, bastava pesquisar um pouco no site da Receita Federal. Tampouco se sustenta a afirmação de que a carga tributária nos países pobres e intermediários estaria em franco declínio. De duas uma, ou o Brasil não foi considerado por Piketty como um país pobre ou intermediário, ou faltou cuidado ao autor nessa afirmação. A carga tributária brasileira cresceu de modo alarmante justamente nos últimos vinte anos, de 28% a 36% do PIB.

Em relação à concentração de riqueza nos países intermediários parece haver outra imprecisão no trabalho de Piketty. Celebra-se em recentes levantamentos por insti tutos de pesquisa respeitáveis a melhora do país no índice GINI, que voltou ao patamar de 2,253 em 2013. Graças a um sistema tributário eficiente com alta carga e programas sociais de alta transferência, além da estabilidade econômica, o Brasil estaria no caminho de redução de distância entre ricos e pobres. Se o índice GINI seguirá sua tendência de baixa no país ainda é cedo para celebrar, porém, o sistema tributário certamente desempenha um papel fundamental nesse sentido.

Estrangeiros em geral têm o hábito de opinar sobre outras jurisdições, normalmente munidos de dados falsos ou absolutamente tendenciosos. É possível, ademais, observar erros grosseiros em dados sobre política fiscal publicados sobre o Brasil em respeitáveis instituições supranacionais. Não foi diferente com Piketty. Se a proposta do novo trabalho acerca do capital e seus malefícios no século XXI foi tomar a análise socioeconômica para a proposta de soluções, seria recomendável tratar os dados com maior atenção.

A proposta de Piketty em transformar o capitalismo por meio da reconstrução do sistema tributário parece lugar comum. A reforma do sistema tributário esteve na agenda dos candidatos a cargos eletivos do executivo brasileiro nas últimas duas décadas. No Capital no Século XXI, em seu último capítulo, é possível encontrar a proposta de aumento da tributação direta sobre a renda com restrição de deduções. Propõe-se, ainda, tributar fortunas e estabelecer um tributo sobre o capital em nível global.

Adotar a proposta acima no Brasil seria desastroso. Primeiramente, quem paga imposto de renda por aqui é a classe média. Castigá-la com a supressão de dedutibilidade seria confiscar o pouco que lhe resta para custear bens e serviços que o Estado deveria prover e não faz. Tributar fortunas, por outro lado, seria ao menos temerário. É preciso definir o que é ser rico, pois segundo dados do Censo de 2010 do IBGE, nos 1% dos ricos brasileiros estariam aqueles com salários superiores a 10 mil reais. Novamente seria perseguida a classe média. Por último, a proposta de um imposto global sobre o capital retoma a patética proposta ideológica de Tobin. Qual seria a entidade supranacional a instituir, cobrar e fiscalizar tal tributo? Sem responder tais perguntas de modo pragmático, a proposta dessa tributação não sairá do papel, para o bem do contribuinte brasileiro.

Fonte: DCI

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