O outono dos paraísos: As jurisdições offshore que propiciavam estripulias fiscais e legais pertencem ao passado? CAPITAL ABERTO

Edição: Ano 7 | No. 81 | Maio/ 2010 | pág. 32-34

O outono dos paraísos  – As jurisdições offshore que propiciavam estripulias fiscais e legais pertencem ao passado?

Por Silvio Muto – Entrevista com Dra. Ana Marta Zilveti

De um ano para cá, é cada vez mais constante a migração de empresas entre jurisdições offshore: locais como as Ilhas Cayman e as Bermudas estão perdendo espaço para portos mais seguros na Europa, como a Irlanda e a Suíça. Neste ano, 13 empresas vão submeter propostas de mudanças de sede em suas assembleias de acionistas, segundo levantamento feito em 14 de abril pelo RiskMetrics, maior grupo internacional no serviço de consultoria para investidores que votam em assembleias de companhias abertas (proxy advisory, no jargão em inglês). Em 2009, a Noble Corp., maior empresa de perfuração petrolífera dos Estados Unidos, fechou as portas de sua matriz nas Ilhas Cayman e se estabeleceu na Suíça. Em comunicado oficial, a companhia atribuiu a mudança à publicidade negativa gerada pelas Ilhas Cayman. Tyco International, Ingersoll Rand, Transocean, Foster Wheeler e Weatherford International, todas de origem norte-americana, fizeram movimento parecido no ano passado.

Ninguém contesta o uso de paraísos fiscais para planejamento tributário, algo perfeitamente legítimo. O mal-estar é causado por regimes que concedem mais do que benefícios desse tipo. Tanto que a própria RiskMetrics faz questão de formular diferentes políticas de recomendação de votos para os vários tipos de jurisdições offshore. Países como Bahamas, Bermudas, Ilhas Cayman, Ilhas Virgens Britânicas, dentre outros, são considerados tax and governance havens. Numa tradução literal, seria algo como paraísos fiscais e de governança. Estes, diferentemente dos paraísos puramente relacionados a impostos, como Suíça, Irlanda e Luxemburgo, agregam flexibilidade à regulação societária. Tal característica dá mais liberdade à atuação dos administradores e, em última análise, vai contra os interesses de acionistas minoritários.

CUIDADOS COM A IMAGEM – Para Fernando Carneiro, diretor do The Altman Group, consultoria especializada em governança e solicitação de votos de acionistas (proxy solicitation) , essa migração tem como pano de fundo a conciliação dos benefícios fiscais com uma melhor imagem de governança. Desde a crise, passou a ser mal visto mandar empresas para paraísos muito permissivos para se economizar dinheiro, atesta. Segundo a definição da RiskMetrics, a flexibilidade regulatória de um paraíso fiscal e de governança pode ser detectada pela ausência de um código de boas práticas de governança corporativa e por uma legislação societária pouco exigente. Indo para países como Suíça e Irlanda, as companhias mantêm as vantagens fiscais e se livram das reclamações dos acionistas, completa Carneiro.

O combate aos aspectos negativos dos paraísos fiscais é alvo também de esforços das principais autoridades políticas. Em 2009, o grupo dos 20 países mais ricos do mundo (G20) colocou o aumento da transparência no sistema financeiro internacional como um de seus principais objetivos nos próximos anos. Em relação aos paraísos fiscais, a demanda é para que se acabe com as contas bancárias secretas, que impedem a identificação de seus titulares, e para que se aumente o compartilhamento de informações tributárias entre governos. Com isso, o G20 espera exterminar o anonimato que abre espaço para práticas ilegais, que vão desde a sonegação fiscal até a lavagem de dinheiro e o financiamento de atividades criminosas.

O cerco aos paraísos fiscais não é algo novo. Ele começou depois dos ataques terroristas ao World Trade Center, em 2001, quando o governo de George W. Bush, no encalço de Osama Bin Laden, liderou um movimento pelo fim do anonimato dos detentores de contas nessas jurisdições. A batalha, arrefecida nos últimos anos, voltou com força depois da crise global.

LISTA INDESEJÁVEL – Outra mostra de que a era obscura dos paraísos fiscais está com os dias contados foi o rápido esvaziamento da lista negra preparada pela Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), entidade intergovernamental que congrega os países mais industrializados do mundo. A pedido do G20, a OCDE atualizou no ano passado sua lista de paraísos fiscais que existe desde 2000, criando três segmentos: uma lista negra, com jurisdições que não cumprem padrões internacionais de compartilhamento de informações bancárias e fiscais; uma cinza, com países que se comprometeram a aderir a esses padrões, mas ainda não o fizeram; e uma branca, com países que já aplicam as diretrizes da instituição.

A lista negra inicial, de 2 de abril de 2009, contava com Costa Rica, Malásia, Filipinas e Uruguai. Cinco dias depois, a lista negra já estava zerada, com o comprometimento dos quatro países com as exigências da OCDE. Eles ingressaram no rol daqueles que prometeram melhorar sua transparência, mas ainda não implementaram medidas. O grupo cinza tinha 17 territórios em 14 de abril de 2010, ante os 38 de um ano atrás. Já o branco inchou do ano passado para cá, pulando de 39 para 63 integrantes.

FECHANDO BRECHAS – O Brasil também vem tomando medidas para dificultar a sonegação fiscal por meio de jurisdições offshore. Em dezembro do ano passado, a Receita Federal lançou a Medida Provisória 472, com uma série de reformas tributárias. Em seu artigo 25, a MP limita o volume de remessa de juros de empréstimos ao exterior que pode ser deduzido do imposto de renda. Isso afeta diretamente as companhias brasileiras que contraem empréstimos com coligadas sediadas em paraísos fiscais, pagando juros elevados. Só poderão ser deduzidos da base de cálculo do imposto de renda juros remetidos que não ultrapassem 30% do patrimônio líquido da empresa estabelecida no Brasil. Antes, os juros de empréstimos podiam ser totalmente abatidos, independentemente do valor do empréstimo.

A medida visa a coibir uma prática comum usada por companhias para pagar menos imposto. Abria-se uma holding lá fora com participação acionária na empresa sediada no Brasil e, em vez de injetar capital diretamente na unidade brasileira, a estrangeira aportava o dinheiro na forma de empréstimo, para que os juros pudessem ser deduzidos.

O artigo 26 da MP busca fechar outra brecha usada por companhias brasileiras. Segundo a norma, só serão extraídos do lucro real – o lucro líquido do período para fins fiscais – ou da base de cálculo da contribuição social sobre o lucro líquido os pagamentos feitos a pessoas físicas ou jurídicas localizadas em paraísos fiscais que tiverem a identificação do beneficiário efetivo no exterior. Além disso, haverá a obrigação de se provar que esse beneficiário tem capacidade operacional de entregar aquilo pelo que está se pagando, bem como de haver comprovação documental do bem ou do serviço. Muitas empresas que declaram seu imposto de renda pelo lucro real apontam prejuízo, criando despesas fictícias fora do País para obter redução de seu imposto, diz Ana Cláudia Utumi, sócia do Tozzini Freire Advogados.

CAUSAS NOBRES – Nenhum dos entrevistados pela CAPITAL ABERTO crê no fim dos paraísos fiscais, como até chegou a se comentar antes das reuniões do G20 – o próprio presidente Lula foi um defensor da causa durante a reunião do grupo em Londres, ocorrido em abril de 2009. Ana Marta Zilveti, sócia do Zilveti e Sanden Advogados, entende que isso seria um exagero. É legítimo que as empresas busquem a estrutura tributária mais vantajosa possível para seus sócios, e isso só é factível com a existência desses paraísos, afirma.

E não é só na redução de impostos que eles podem ser úteis. Captar recursos através desses canais é uma alternativa interessante para companhias com operações globais. Um exemplo, segundo Alan Dickson, sócio do Conyers Dill & Pearman, escritório de advocacia especializado em legislação de paraísos fiscais, são as joint ventures entre empresas de países diferentes. Em primeiro lugar, os centros offshore propiciam um ambiente neutro de negociações. Para o advogado, não faz muito sentido uma companhia brasileira estabelecer uma joint venture com uma companhia chinesa, na China. A brasileira se sentirá em pé de igualdade com a empresa chinesa na hora de discutir questões legais do país asiático?, questiona Dickson.

Outra vantagem importante é de natureza cambial. Para essa joint venture criar uma empresa de propósito específico e lançar bonds, a burocracia é mínima, o que permite uma captação ágil e descomplicada. Se essa operação ocorrer em outro país, haverá diversos trâmites com a autoridade monetária local para o ingresso e a saída de capitais, acrescenta o advogado.

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