A devolução da Medida Provisória (MP) que elevava as alíquotas da contribuição previdenciária de setores beneficiados pela desoneração de folha de pagamentos revela que medidas que restrinjam benefícios terão resistência e deverão passar por maior debate ou flexibilização, dizem analistas. Para alguns, a devolução da MP acende um sinal amarelo para o cumprimento das metas fiscais e eleva o risco de rebaixamento da nota soberana pelas agências de rating.
Esse é o jogo político e ninguém é ingênuo em achar que não vai acontecer, afirma Zeina Latif, economista-chefe da XP Investimentos, em relação à decisão do presidente do Senado, Renan Calheiros, sobre devolver a MP 669. Segundo Zeina, o Congresso deve olhar medida por medida, avaliando tanto a importância de cada uma delas quanto a influência dos setores sobre as bancadas.
Para a economista, é “óbvio”que a devolução da MP não é bem-vinda não só pelo fato político, mas também porque a meta fiscal é tão ambiciosa que não é possível abrir mão de nada. Mas ela avalia que as mudanças anunciadas estão na direção correta, pois as medidas parecem não ter funcionado. Ela diz ainda que o dólar ao redor de R$ 2,90 deixa de justificar a existência de mais subsídios à indústria.
Eduardo Velho, economista chefe da INVX Global Partners, diz que a devolução da MP compromete o cumprimento da meta de resultado primário e eleva o risco de rebaixamento do país pelas agências de rating. “Esse ato mostra que a resistência do Congresso às medidas fiscais será muito dura”, diz Velho.
Uma reação mais imediata, diz ele, será sentida hoje nas cotações em Bolsa e no câmbio.“A expectativa já era de elevação de meio ponto percentual da Selic. Com essa notícia que reflete a resistência ao pacote fiscal, a interpretação será de que todo o ajuste de combate à inflação se concentrará na política monetária”, diz. “Isso significa que o aperto monetário poderá se prolongar, mesmo que de forma gradual.”
Fabio Silveira, diretor de pesquisas econômicas da GO Associados, diz que a devolução da MP é uma “catástrofe” ao processo de recuperação da credibilidade das contas públicas. “O ajuste
fiscal não é condição suficiente, mas necessária para evitar uma piora do risco-país e o encarecimento do crédito”, diz. “Quando o mercado financeiro começa a ver que lideranças importantes estão rejeitando o ajuste fiscal justamente quando parecia que estávamos no caminho da recuperação, isso acaba sendo um entrave sério”, emenda.
Amir Khair, especialista em contas públicas, sugere que o governo tente caminhos alternativos e faça elevações de alíquotas que não dependam do Congresso, em tributos como Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), Imposto de Importação (II) e Imposto sobre Operações de Crédito (IOF). “Ao mesmo tempo o governo precisaria reduzir despesas”.
O caminho do ajuste fiscal com as propostas enviadas até agora, diz Khair, “é complicado”. “O Congresso irá reagir fortemente a projetos que reduzam direitos, seja de pessoas físicas ou de empresas.” Khair também defende a redução da taxa de juros, para diminuir a pressão sobre a dívida. “A conta de juros está ficando muito alta, caminhando para 7% do PIB.”
Após a devolução da MP que alterava as alíquotas da desoneração da folha, a presidente Dilma Rousseff assinou um projeto de lei com urgência constitucional que retoma as mudanças na contribuição previdenciária.
Para o tributarista Fernando Zilveti, professor de tributação e finanças da FGV, a discussão da elevação de alíquotas da contribuição previdenciária sobre faturamento por meio de projeto de lei permitirá maior participação das empresas. “O projeto de lei permite que a elevação seja debatida e que o contribuinte se arme.”
Enquanto uma medida provisória tem validade imediata e precisa ser confirmada pelo Congresso no prazo de até 120 dias para não perder a validez, um projeto de lei só pode entrar em vigor depois de aprovado na Câmara e no Senado, além de ter de ser sancionado pela Presidência da República.
Fonte: Valor Econômico