Marco Legal das Startups; o que muda na prática?

Por Thatyane Pontes Dias*

 

Em 31 de agosto de 2021, entrou em vigor a Lei Complementar nº 182/2021, a qual institui o Marco Legal das Startups e do Empreendedorismo Inovador, visando criar incentivos às empresas na inovação de produtos e serviços no mercado nacional, prevendo regras diferenciadas ao setor. A referida lei havia sido sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro em junho, aguardando o prazo legal para entrar em vigor.

O Marco Legal cria medidas de estímulo à criação de startups, estabelece princípios e diretrizes fundamentais para a atuação da Administração Pública, bem como institui medidas de fomento ao ambiente de negócios e ao aumento da oferta de capital para investimento em empreendedorismo inovador e, ainda, disciplina a licitação e a contratação de soluções inovadoras pela Administração Pública, além de dar outras providências.

De forma geral, o Marco Legal irá regulamentar o modo em que as startups operam atualmente no Brasil, trazendo segurança jurídica a esse modelo de negócio, formado por empresas inovadoras, a fim de que estas consigam desenvolver suas operações no país.

Além dessas mudanças, a lei visa modernizar o setor, como também diminuir a burocracia, facilitar negócios e, principalmente, impulsionar novos investimentos no setor.

Vetos

Importante ressaltar, que ao ser sancionada em junho, o Governo vetou, a pedido do Ministério da Economia, duas partes importantes do texto aprovado pelo Congresso.

Primeiramente, um dos dispositivos vetados, foi o que criava uma renúncia fiscal, o qual não fazia parte do projeto original. No dispositivo vetado, era permitido ao investidor pessoa física, compensar os prejuízos acumulados na fase de investimento, com o lucro na venda de ações obtidas.

Ou seja, para fins de apuração e de pagamento do imposto sobre o ganho de capital, as perdas nas operações com instrumentos da Lei Complementar, poderiam compor o custo de aquisição no tocante a apuração dos ganhos de capital auferidos com a venda das participações societárias, as quais seriam convertidas em decorrência do investimento em startup.

Entretanto, a justificativa do veto se deu em razão da ausência de avaliação quanto ao impacto orçamentário do mesmo e, também, diante de omissão na indicação de medidas compensatórias para tanto, não estando de acordo com as normas perante a Lei de Responsabilidade Fiscal e à Lei de Diretrizes Orçamentárias. O outro argumento para o veto foi o fato de que a renúncia fiscal não fazia parte do projeto original.

O outro veto, foi o trecho o qual estabelecia à CVM (Comissão de Valores Mobiliários) regulamentar as condições facilitadas ao acesso de companhias de menor porte ao mercado de capitais, e que permitia a dispensa ou a modulação para tais companhias de algumas exigências da Lei nº 6.404/76, ou seja, a Lei das Sociedades por Ações, no tocante a forma de apuração do preço justo e à sua revisão.

Ao ser vetado, o governo alegou que o trecho era contrário ao interesse público, em razão que o dispositivo não acrescentava ao arcabouço até então vigente, referente a apuração do preço justo em ofertas públicas de aquisição de ações para cancelamento de registro e por aumento de participação.

Ocorre que, o trecho atribuía à CVM a competência técnica de aliar a necessidade de fixação de critérios imparciais, a fim de avaliar o valor justo de mercado da startup em conjunto com o sandbox regulatório que se cogitaria às startups, não cabendo, portanto, ao legislador defini-los.

Enquadramento de Startups na Legislação

De acordo com o artigo 4º do Marco Legal, ficou definido como startups, organizações empresariais ou societárias, nascentes ou em operação recente, cuja atuação se caracteriza pela inovação, aplicada a modelo de negócios ou a produtos ou serviços ofertados.

Para que seja, consequentemente, aplicado o Marco Legal ao empresário individual, à empresa individual de responsabilidade limitada, às sociedades empresárias, às sociedades cooperativas e às sociedades simples, o teto da receita bruta, deverá ser de até R$ 16.000.000,00 (dezesseis milhões de reais) no ano-calendário anterior, ou R$ 1.333.334,00 (um milhão, trezentos e trinta e três mil e trezentos e trinta e quatro reais), multiplicado pelo número de meses de atividade do ano-calendário anterior, quando for menor que 12 (doze) meses, independentemente da forma societária adotada.

Ademais, o tempo de exercício deverá ser até 10 (dez) anos de inscrição no CNPJ, o qual será contabilizado da seguinte forma:

  • Empresas decorrentes de incorporação: tempo de inscrição da empresa incorporada;
  • Empresas decorrentes de fusão: será considerado o maior tempo de inscrição entre as empresas fundidas; e,
  • Empresas decorrentes de cisão: tempo de inscrição da empresa cindida, quando houver criação de nova sociedade, ou da empresa que a absorver, quando houver transferência de patrimônio para a empresa existente.

Outrossim, o modelo de negócio deverá, no mínimo, atender a um dos requisitos, quais sejam: declaração no ato constitutivo ou alterador e utilização de modelos de negócios inovadores, nos termos do inciso IV, do artigo 2º, da Lei nº 10.973/04, ou comprovar o enquadramento no regime especial do Inova Simples, conforme dispõe o artigo 65-A, da Lei Complementar 123/06.

Importante observar que o Marco Legal visa trazer requisitos intrínsecos de caracterização, bem como delimitar o que é uma startup e definir um modelo de organização (de acordo com o sistema jurídico brasileiro), diferentemente da definição, de caráter amplo, a qual a Lei Complementar nº 123/06, em seu artigo 65-A conferia, através do Inova Simples.

Investimento em Inovação

No tocante ao investimento de inovação, de acordo com o artigo 5º, as startups poderão admitir aporte do capital por pessoa física ou jurídica, dependendo da modalidade de investimento escolhida pelas partes, a qual poderá resultar ou não em participação no capital social da startup.

Entretanto, não será considerado como integrante do capital social, o aporte realizado através de contrato de opção de subscrição ou de compra de ações ou de quotas, debênture conversível, contrato mútuo conversível, estruturação de sociedade, contrato de investimento-anjo, e quando o investidor não integrar prévia e formalmente o quadro de sócios da empresa.

Somente após a conversão do instrumento do aporte em efetiva e formal participação societária, é que o investidor poderá ser considerado quotista, acionista ou sócia da startup.

Outrossim, o investidor que realizar o aporte de capital, nos termos do artigo 5º, não será considerado sócio ou acionista, e não possuirá direito a gerência ou a voto na administração da startup, bem como não responderá por dívidas da empresa, inclusive em recuperação judicial.

Com efeito, não se estenderá ao investidor a responsabilidade decorrente do abuso da personalidade jurídica, ao incidente de desconsideração da personalidade jurídica em sede trabalhista, bem como a solidariedade e responsabilidade de terceiros em matéria tributária, exceto em casos de dolo, fraude ou simulação de investimento.

Ademais, está previsto às empresas que possuem obrigações de investimento em pesquisa, desenvolvimento e inovação, decorrentes de outorgas ou de delegações firmadas por meio de agências reguladoras, que cumpram os seus compromissos com a realização de aporte de recursos em startups, através de fundos patrimoniais destinados à inovação, conforme a Lei nº 13.800/19, dos FIP (Fundos de Investimento em Participações), autorizados pela CVM (Comissão de Valores Imobiliários) nas categorias capital semente, empresas emergentes e empresas com produção econômica intensiva em pesquisa, desenvolvimento e inovação e, investimentos em programas, em editais ou em concursos, gerenciados por instituições públicas, e destinados ao financiamento, a aceleração e a escalabilidade de startups.

Investidor-anjo

O Marco Legal traz mais segurança ao investidor-anjo, estabelecendo regras que limitam suas perdas aos aportes financeiros que realizaram no negócio.

O investidor-anjo não é considerado sócio e não tem qualquer direito a gerência ou a voto na administração da empresa, bem como não responde por qualquer obrigação da empresa e é remunerado por seus aportes.

Foi permitido, ainda, a participação do investidor-anjo nas deliberações de forma consultiva e acesso às contas, ao inventário, bem como aos balanços e livros contábeis, e à situação do caixa. Diferentemente do que ocorre atualmente, já que este apenas investe na empresa, sem participar do comando, em que pese os recursos serem superiores ao capital social.

Além disso, os fundos de investimento poderão atuar em micro e pequenas empresas com receita bruta até R$ 4,8 milhões anuais, como investidor-anjo, conforme regulamentação da CVM (Comissão de Valores Mobiliários).

Sandbox Regulatório

As startups, de acordo com o Marco Legal, poderão contar com um ambiente regulatório experimental, o sandbox regulatório, a fim de explorar inovações experimentais com mais liberdade de atuação.

O sandbox regulatório se trata de um conjunto de condições especiais simplificadas, para que as pessoas jurídicas participantes possam ser autorizadas, temporariamente, para desenvolver modelos de negócios inovadores e testar técnicas e tecnologias experimentais, mediante o cumprimento de critérios e limites estabelecidos previamente pelo órgão ou entidade reguladora, ou através de procedimento facilitado.

Assim, os órgãos e as entidades da administração pública poderão, individualmente ou em colaboração, afastar a incidência de normas sob sua competência em relação à entidade regulada, no âmbito de programas de sandbox.

Ou seja, caberá as agências regulatórias suspender, temporariamente, as obrigações da empresa de cumprir diversas obrigações decorrentes da legislação setorial.

Entretanto, deverá ser estabelecido, para o devido funcionamento do sandbox, os critérios para a seleção ou para qualificação da empresa, a duração e o alcance da suspensão da incidência das normas, como também as normas abrangidas.

Demais mudanças e definições

A administração pública poderá contratar, através de licitação na modalidade especial, pessoas físicas ou jurídicas, para testes de soluções inovadoras por elas desenvolvidas ou a ser desenvolvidas, com ou sem risco tecnológico. O edital da licitação deverá ser divulgado com antecedência de no mínimo 30 (trinta) dias corridos, até a data de recebimento das propostas.

Destarte, homologado o resultado da licitação, será celebrado o Contrato Público para Solução Inovadora, o chamado CPSI, pela administração pública, sendo a sua vigência de até 12 (doze) meses, prorrogável por mais 1 (um) ano, com o valor máximo por contrato de R$ 1,6 milhão. Posteriormente, com o encerramento deste contrato, a administração pública poderá, sem nova licitação, celebrar o segundo contrato com a mesma contratada, sendo este com vigência de 24 (vinte e quatro) meses, podendo ser prorrogado por igual período, para fornecimento do produto, na fase de contratação da solução.

No tocante às empresas que investem em pesquisa, desenvolvimento tecnológico e inovação, visando minimizar sua carga tributária, conforme dispõe a Lei do Bem nº 11.196/05, desde que preencham os requisitos e prestem informações sobre os programas investidos, poderão alocar uma parte do investimento em startup, através de Fundos Patrimoniais, Fundos de Investimento em Participação – (FIP) e, Editais e Programas de Fomento, tendo em vista que com o Marco Legal, tal ato será considerado o cumprimento do investimento em pesquisa e desenvolvimento.

Outras mudanças importantes são o tempo de retorno dos aportes, o qual será de sete anos, não mais de cinco anos, e a remuneração periódica ou conversão do aporte em participação societária, situações nas quais as partes poderão pactuar entre si.

Além disso, a Lei Complementar determina que a empresa de menor porte aufira valor inferior a R$ 500.000.000,00 de receita bruta anual, bem como caberá à CVM atualizar o valor e os critérios para manter a condição da empresa de menor porte, como também disciplinar e flexibilizar o tratamento a ser empregado, após o seu acesso ao mercado de capitais

O novo regramento determina, ainda, a prioridade de análise, através do portal de simplificação de registro (Redesim), aos pedidos de patente ou de registro de marca, perante o INPI (Instituto Nacional de Propriedade Industrial).

Por fim, observa-se que o Marco Legal traz mais segurança jurídica ao mercado das startups no Brasil, com inovações legislativas, visando melhorar o ambiente de negócios das startups e estimular o empreendedorismo inovador no Brasil.

Além disso, visa facilitar, desburocratizar e fomentar o desenvolvimento de negócios inovadores no Brasil, estimulando assim os empreendedores, o que, consequentemente, trará mais investimentos ao mercado das startups.

Não há dúvidas o Marco Legal Startups é extremamente importante ao setor, pois irá aumentar as oportunidades, seja para os empreendedores e investidores, seja para o mercado como um todo, mas principalmente, servirá como um enorme combustível para a retomada da economia, no cenário pós-covid-19.

*Thatyane Pontes Dias é bacharel em direito e atua na área do contencioso Cível do Zilveti Advogados.

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