A ilegalidade da exigência de publicação das demonstrações financeiras das sociedades limitadas de grande porte

Demonstrações financeiras: prazo se encerra no dia 28 de Abril

Trataremos neste artigo de um assunto polêmico. A deliberação de nº 2 de 2015 da Junta Comercial do Estado de São Paulo – JUCESP, que criou um novo enunciado, de número 41. De acordo com este enunciado, as sociedades empresárias limitadas e as cooperativas de grande porte, ou seja, que possuam ativo total superior a R$ 240.000.000,00 ou receita bruta anual superior a R$ 300.000.000,00, ficam obrigadas a realizar a publicação de seu balanço e demonstrações financeiras em jornal de grande circulação e no Diário Oficial. Além de ser uma obrigação absurdamente custosa para a empresa, nota-se evidente ilegalidade neste enunciado, visto que ele se justifica por premissas incorretas, possibilitando, assim, a sua discussão perante o judiciário.

É importante destacar que as sociedades limitadas, desde a sua inserção no ordenamento jurídico, têm poucos ritos e formalidades, quando comparada aos demais tipos societários existentes. Foi a partir do Código Civil de 2002 que estas sociedades passaram a ter duas obrigações importantes para nossa discussão: (i) a obrigação de gerar um balanço patrimonial e de resultado econômico e (ii) a obrigação de realizar uma reunião anual de sócios.

Esta reunião tem a intenção de tomar as contas dos administradores e deliberar sobre o balanço patrimonial e de resultado econômico elaborado pela sociedade, garantindo a segurança dos sócios quanto aos números da sociedade, de modo a acompanhar a sua evolução econômica. Além disso, esta obrigação também protege o administrador, que tem as suas contas aprovadas e, assim, eximindo-se da responsabilidade pelos atos praticados no período das contas aprovadas.

Em 28 de dezembro de 2007, a Lei nº 11.638 reformou a lei das sociedades por ações para definir alguns critérios a serem aplicados para elaboração de documentos contábeis para este tipo societário, garantindo, assim, um alinhamento com as normas internacionais de contabilidade. Esta lei também apontou que as sociedades limitadas de grande porte, tal como conceituadas acima, deveriam seguir os mesmos critérios contábeis a respeito da escrituração e elaboração de demonstrações financeiras, bem como, possuir uma auditoria independente.

Desta forma, as sociedades limitadas que se enquadram como sociedades de grande porte devem seguir os mesmos padrões contábeis utilizados pelas sociedades por ações, mas não quanto às publicações. A aprovação das contas dos administradores e elaboração de demonstrações financeiras é matéria tratada de modo suficiente no Código Civil, não sendo possível a aplicação da lei das sociedades por ações de forma subsidiária. Desta forma, não há que se falar em publicação das demonstrações financeiras em jornal de grande circulação e diário oficial para as sociedades limitadas, de grande porte ou não.

Cogitou-se, há época da edição da Lei nº 11.638, incluir a obrigatoriedade de publicação das demonstrações financeiras das sociedades limitadas, da mesma forma em que é aplicável para as sociedades por ações. Contudo, tal proposta foi rejeitada pelo legislativo, demonstrando claramente que o legislador não pretendia estender esta norma para este tipo de sociedade por se tratar de uma medida extremamente custosa para as empresas.

Enquanto as empresas atingidas pela norma defendem a ideia de que a publicação deve ser facultativa, a obrigatoriedade tem o apoio da Associação Brasileira de Imprensas Oficiais (Abio), que ajuizou ação contra o Departamento Nacional de Registro de Comércio- DNRC, órgão responsável pelo registro de atos societários das sociedades empresárias, substituído pelo Departamento de Registro Empresarial e Integração – DREI, pleiteando que o órgão exigisse das sociedades a publicação das demonstrações financeiras nos jornais mencionados. Esta ação teve decisão favorável em primeira instância, sendo objeto de recurso de apelação que está pendente de julgamento pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região.

Diante desta decisão, a JUCESP editou o Enunciado nº 41, tornando obrigatória a publicação em jornal de grande circulação e no Diário Oficial das demonstrações financeiras das empresas registradas no Estado de São Paulo para o arquivamento da ata de reunião de sócios que aprova estas demonstrações.

Vale destacar que a falta de registro da ata de aprovação de contas perante a Junta Comercial pode causar inúmeros transtornos nas operações da empresa, tais como dificuldades para obter empréstimos, contratos de câmbio, participação em licitações, e em casos extremos, podendo resultar na perda do Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica.

Embora seja descabida a obrigação, fato é que este normativo, enquanto não for revogado ou cancelado, só pode ser afastado por meio de decisão judicial.

Neste sentido, o Egrégio Tribunal Regional da Terceira Região, responsável pela análise dos casos que envolvam atos expedidos pela JUCESP, entende que esta obrigação seria ilegal e vem conferindo decisões favoráveis para as diversas empresas que, impedidas de registrar suas atas de reunião de sócios sem a publicação em Diário Oficial e jornal de grande circulação, ingressaram com ação almejando a dispensa desta exigência.

Deste modo, as empresas que se sentirem lesadas pela ilegal obrigação imposta pela JUCESP, poderão recorrer ao judiciário, com boas perspectivas de êxito, visando assegurar seu direito de arquivar as respectivas atas de reunião dos sócios, sem o ônus de tornar públicas as suas demonstrações financeiras.

*Raphael Matos Valentim e Gisleni Valente, advogados integrantes do escritório Zilveti Advogados.

 

 

 

 

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