Empreiteiras ligadas à Lava-Jato enfrentam dificuldades

SÃO PAULO – Com dívidas vencendo no curto prazo, sem receber pelos projetos que estão tocando e com os bancos fechando a torneira do crédito, as empreiteiras investigadas no esquema de propinas da Petrobras estão numa encruzilhada financeira. Especialistas ouvidos pelo GLOBO avaliam que, sem liquidez, uma das alternativas para escapar da falência será entrar com pedidos de recuperação judicial (antiga concordata) e tentar chegar a acordo com seus credores. Mesmo assim, não descartam novos casos de calote, como aconteceu com a OAS, que deixou de pagar R$ 130 milhões em juros e dívidas. Outra alternativa, mais complicada segundo os analistas, seria a venda de ativos para fazer caixa.

Na última sexta-feira, as construtoras tiveram mais um revés com o pedido de ressarcimento de R$ 4,47 bilhões feito pelo Ministério Público Federal do Paraná, que também quer impedir novos contratos com a administração pública.

— Quanto mais se prolongar a Operação Lava-Jato, maior é a chance de que outras empresas fiquem em situação de default (calote) e entrem com pedidos de recuperação judicial — diz Ricardo Carvalho, diretor sênior da agência de classificação de risco Fitch Ratings, que rebaixou as notas de OAS, Galvão Engenharia, Queiroz Galvão e Mendes Júnior.

CALOTE COM R$ 1 BI EM CAIXA

A primeira a jogar a toalha foi a OAS. A empresa deu calote de R$ 130 milhões ao deixar de pagar juros e dívidas que venciam em janeiro. Sua classificação de risco foi rebaixada pela Fitch duas vezes em menos de uma semana. O que deixou o mercado intrigado é que a empresa não honrou compromissos mesmo com mais de R$ 1 bilhão em caixa. Segundo o diretor da Fitch, a OAS tem a situação mais complicada entre as empresas da Lava-Jato. A companhia tem dívidas de cerca de R$ 2 bilhões que vencem até 2016. É alto o risco de que esse caixa seja consumido rapidamente, já que a OAS não vem recebendo pelos projetos em parceria com a Petrobras. Linhas de crédito nos bancos ou emissões de dívida no mercado local e internacional também ficaram praticamente inviáveis diante do calote.

— A OAS tem uma alavancagem (endividamento) de mais de dez vezes em relação à sua geração de caixa. Um patamar saudável de alavancagem seria entre três e quatro vezes. Com a frustração de geração de caixa com os projetos da Petrobras, executivos presos e o mercado desconfortável em dar crédito, a situação da empresa fica difícil. A previsão era que a empresa se “desalavancasse” nos próximos cinco anos com recursos dos projetos em curso — explica Carvalho.

Procurada, a OAS informou através de e-mail que há um “plano de reestruturação” em curso, mas não revelou se inclui pedido de recuperação judicial, que dá mais tempo a companhias com problemas negociarem prazos para pagar seus compromissos. A empresa explicou que o pagamento de todas as dívidas que venciam desde 29 de dezembro foi suspenso até que este plano seja aprovado.

A OAS também afirmou que está conduzindo “um plano de desinvestimentos de ativos do seu portfólio da OAS Investimentos”. Segundo a companhia, em setembro, a dívida bruta ajustada era de R$ 7,6 bilhões e o caixa, de R$ 1,4 bilhão. As informações de dezembro ainda não foram publicadas.

Também com problemas de poucos recursos em caixa, concentração de dívida com vencimento a curto prazo e dependentes do crédito dos bancos, estão a Mendes Júnior e a Galvão Engenharia, segundo a Fitch. Os contratos com a Petrobras eram bastante relevantes para a Mendes Júnior, o que deixa a empresa em situação também crítica. Antes do carnaval, a empresa demitiu 73 funcionários. Segundo fontes do mercado, a companhia estaria tentando vender a Companhia de Águas do Brasil (CAB Ambiental), sua subsidiária na área de saneamento.

— A Galvão Engenharia tem bons ativos que podem ser vendidos para fazer caixa. A empresa não está no mesmo nível de risco da Mendes Júnior. Mesmo assim, a Galvão tinha valor de aditivos de contratos a serem recebidos da Petrobras, que não está pagando, e tem 80% de seus negócios focados no Brasil. O problema é que ambas precisam de refinanciamento das dívidas de curto prazo neste cenário de restrição de crédito. Por isso, tiveram as notas rebaixadas — diz Carvalho.

No caso de Odebrecht, Camargo Corrêa, Queiroz Galvão e Andrade Gutierrez, há uma diversificação maior de suas atividades e parte da receita vem de projetos do exterior, diz a Fitch. No grupo Camargo Corrêa, especificamente, a construtora não é a principal geradora de caixa, a empresa tem liquidez e menos dívidas vencendo no curto prazo.

Procuradas, a Camargo Corrêa não quis se pronunciar e a Queiroz Galvão afirmou que “apresenta resultados financeiros sólidos com situação de caixa que supera em muito sua dívida de curto e médio prazos e todos seus projetos e obras seguem o cronograma previsto”.

O advogado Valdo Cestari, do escritório Lobo & de Rizzo, observa que com a entrada em vigor da Lei Anticorrupção as empresas também podem ser punidas criminalmente e não apenas seus executivos, o que representará “um baque financeiro”. Foi nessa legislação que o MPF do Paraná se baseou para pedir o ressarcimento de R$ 4,47 bilhões. Como as multas são pesadas — chegam a 20% do faturamento — o caixa dessas empresas será ainda mais afetado.

Desde que o esquema de propinas na Petrobras começou a ser desbaratado, apenas uma empresa entrou com pedido de recuperação judicial, que foi aceito pela Justiça. A Alumini Engenharia, que presta serviços para a Petrobras em obras como a do Complexo Petroquímico do Rio (Comperj).

Para o advogado Fernando Zilveti, especializado em Direito Tributário e professor da Fundação Getulio Vargas (FGV) em São Paulo, a maior parte das empresas com o caixa afetado após a Lava-Jato deve entrar com pedido de recuperação judicial.

— Será a alternativa mais viável para ganhar tempo e negociar com credores e fornecedores. Dificilmente, conseguirão vender seus ativos a preços competitivos para fazer caixa — explica Zilveti, para quem as ameaças de venda de ativos, demissões em massa e paralisações de obras têm um componente de “chantagem” da parte das empresas para que o governo intervenha nos processos judiciais.

A Engevix foi a única até agora a vender ativos. A companhia vendeu sua participação de 36,85% na Desenvix, empresa de energias renováveis, para a Statkraft Investimentos, que já detinha 44,5% do capital social da Desenvix. Segundo fontes do mercado, no entanto, a transação já era negociada há mais de um ano, e o valor ficou dentro do esperado.

Para Ricardo Carvalho, da Fitch, alguns ativos das construtoras são bastante valiosos e há interessados, mas haverá desconto no preço por causa do cenário negativo para as empreiteiras. O diretor da Fitch considera a participação da OAS na Invepar um bom ativo (que o mercado avalia em R$ 2,5 bilhões), por exemplo. Ele cita também a participação da OAS no Metrô do Rio e em estradas.

A questão, ressalva Cláudia Bonelli, sócia da área de infraestrutura do escritório Tozzini Freire Advogados, é que existe uma série de restrições à venda de ativos relacionados a concessões, como a participação da OAS no consórcio que administra o Aeroporto Internacional de São Paulo, em Guarulhos.

— Há travas e amarras que tornam essa venda um processo complicado, que dependerá da anuência de órgãos federais, como a Anac (Agência Nacional de Aviação Civil), e também de mudanças nos termos do edital da concessão, que proíbe a troca de sócios nos cinco primeiros anos — observa a advogada.

Sem crédito junto aos bancos privados e com notas de risco elevadas, a expectativa é pela conduta do BNDES em relação às empresas envolvidas na Lava-Jato, com projetos de concessões federais estratégicos para o governo. A Galvão Engenharia venceu no ano passado o leilão de concessão da BR-153, trecho de 700 quilômetros entre Goiás e Tocantins cuja duplicação exigirá investimentos de R$ 4,3 bilhões, com a promessa de que o BNDES bancaria a maior parte dos recursos. Já a Odebrecht venceu a licitação de um trecho de 850 quilômetros da BR-163, entre Mato Grosso do Sul e Mato Grosso, considerado estratégico para o escoamento da safra de grãos e cuja concessão prevê R$ 3,6 bilhões de investimentos em melhorias. Outro trecho de 847 quilômetros da mesma BR-163 foi arrematado pela CCR, que tem a Andrade Gutierrez e Camargo Corrêa como sócios, com investimentos previstos de R$ 5,69 bilhões.

— Tem que ver agora como o BNDES vai fazer — diz um empresário do setor.

Fonte: O Globo

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