O relacionamento entre sócios de uma empresa muitas vezes não é fácil, o que acaba trazendo diversos desafios à administração da sociedade e, consequentemente, o legítimo desejo de se retirar ou de excluir um sócio, o que, pela própria natureza conflitante, quase nunca ocorre de maneira amigável e em conformidade com os demais.
O desejo de se retirar ou de excluir um sócio de uma sociedade normalmente surge com uma série de questionamentos de como proceder, especialmente no caso do(s) sócio(s) remanescente(s) que possuem a parcela majoritária do capital social da sociedade se recusarem a assinar as atas societárias que determinem a apuração de haveres, liquidação parcial da sociedade e a retirada do sócio.
Para responder tais questionamentos, devemos inicialmente observar a Constituição Federal, que em seu artigo 5º, inciso XX, estabelece que ninguém é obrigado a estar associado com terceiro se não o desejar.
Conforme podemos verificar, tal disposição é genérica, podendo ser considerada um princípio constitucional, ficando a cargo do Código Civil estabelecer as regras que regerão a sociedade.
O Código Civil, por sua vez, estabelece que o contrato social deve ser o instrumento que rege as sociedades. Ocorre que, muitas vezes, tais regras não estão claras, uma vez que estes foram elaborados com base em um modelo genérico, que não prevê as mais diversas situações, elegendo as normas das sociedades anônimas para elucidar os casos omissos. E agora? O que fazer?
Da saída motivada
Esta é a hipótese mais simples, na qual o sócio deseja retirar-se da sociedade com motivo. Os artigos 1.077 e 1.114 do Código Civil estabelecem cinco hipóteses para saída motivada de sócio, quando houver:
a) Qualquer modificação do contrato social;
c) Incorporação de outra sociedade por ela;
d) Incorporação dela por outra sociedade;
b) Fusão da sociedade;
e) Transformação da sociedade, não prevista e sem consentimento unânime dos sócios.
Ocorrendo qualquer uma das hipóteses previstas acima, o Código Civil garante o direito do sócio de se retirar motivadamente e de maneira unilateral da sociedade, sendo-lhe garantido o recebimento de sua participação na sociedade mediante liquidação de suas quotas, as quais terão seu valor apurado por balanço de determinação.
Da saída imotivada
Nesse caso, o grande problema ocorria pelo fato de a Lei das Sociedades Anônimas (Lei nº 6404/76) não prever a retirada imotivada de sócio, o que fazia com que parte da doutrina defendesse que não havia a possibilidade de se retirar imotivadamente de uma sociedade limitada com prazo indeterminado; enquanto outra parte da doutrina defendia que, nos termos do artigo 5º, inciso XX, da Constituição Federal, acima mencionado, ninguém é obrigado a estar associado com terceiro se não o desejar.
Tal divergência doutrinária vem de longa data e foi solucionada recentemente, com o julgamento do REsp 1.839.078/SP pela 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, que entendeu que, nos casos em que a Lei nº 6.404/76 for omissa, esta deverá ser regida de forma supletiva pelo Código Civil.
No julgamento do recurso, o relator ministro Paulo de Tarso Sanseverino observou que não há conflito entre a Lei das S.A. e o Código Civil, uma vez que o artigo 1.053 do Código Civil é claro no sentido de que as sociedades limitadas devem ser regidas de maneira subsidiária pelas normas da sociedade simples e das sociedades anônimas.
Tendo o ministro observado ainda que mesmo que a Lei das Sociedades Anônimas tivesse dispositivo em sentido contrário, o artigo 5º, inciso XX, da Constituição Federal, mencionado acima, garante em cláusula pétrea o direito fundamental de associação ou não a terceiros.
Dessa forma, conforme jurisprudência do STJ, ficando claro que há a possibilidade de retirada imotivada de sócio da sociedade limitada por prazo indeterminado e regida de forma supletiva pelas normas da Lei das Sociedades Anônimas, a qual deve ocorrer observando-se a obrigatoriedade da notificação prévia aos demais sócios, com antecedência mínima de 60 dias.
Da exclusão de sócio
Aqui trazemos o caso mais conflituoso e habitual nas sociedades, que ocorre quando um sócio é retirado de uma sociedade por deliberação dos demais sócios, sendo sempre alvo de litígio e discórdia entre eles.
Inicialmente, devemos esclarecer que a deliberação que exclua um sócio deve ser sempre motivada, conforme disposto no Código Civil, pelos seguintes motivos:
a) O sócio remisso, que nada mais é do que o sócio que não integralizou suas quotas no prazo previsto no contrato social;
b) O sócio falido ou insolvente, sendo essa uma exclusão obrigatória, que pode até mesmo inviabilizar a continuidade da sociedade dependendo da participação do sócio falido/insolvente;
c) Quando houver a liquidação de quota penhorada;
d) Quando o sócio que se pretende excluir cometer falta grave no cumprimento de suas obrigações, hipótese na qual a falta grave deverá ser comprovada judicialmente;
e) Quando houver a incapacidade superveniente do sócio, hipótese na qual o Poder Judiciário deverá ser acionado para decidir sobre o caso com base no impacto da incapacidade na sociedade.
Atualmente, o sexto e mais utilizado motivo seria a exclusão do sócio por justa causa. Dada a complexidade desse “motivo”, deixamos para falar sobre ele separadamente.
O conceito de “justa causa” é genérico e alvo de ampla discussão doutrinária e jurisprudencial, uma vez que é extremamente controverso e depende da interpretação pessoal de cada um. Vejamos o artigo 1.085 do Código Civil:
“Artigo 1.085 — Ressalvado o disposto no art. 1.030, quando a maioria dos sócios, representativa de mais da metade do capital social, entender que um ou mais sócios estão pondo em risco a continuidade da empresa, em virtude de atos de inegável gravidade, poderá excluí-los da sociedade, mediante alteração do contrato social, desde que prevista neste a exclusão por justa causa”.
Apesar do conceito genérico, quando um sócio comete uma falta considerada grave pelos demais sócios, podemos afirmar que há a quebra do chamado affectio societatis, que é a intenção de formar uma sociedade, regida por regras e através da colaboração e união dos sócios para consecução de um objetivo comum.
Atualmente, apesar de muitas vezes não estar previsto no contrato social, a jurisprudência tem aceito a quebra do affectio societatis como razão para se excluir um sócio, mediante a liquidação de suas quotas sociais.
Tal entendimento jurisprudencial advém, conforme mencionamos na introdução, da própria Constituição Federal que em seu artigo 5º, inciso XX, estabelece a liberdade de associação, que, somada à quebra do affectio societatis, constitui razões suficientes para garantir o direito de se excluir um sócio, para alívio dos demais.
Por fim, após analisarmos todas as implicações, complicações e discussões judiciais que são criadas pela ausência de dispositivos que determinem as hipóteses de dissolução parcial (exclusão ou retirada de sócio) de uma sociedade, podemos retirar a importância de se fazer um bom contrato social, bem como um acordo de sócios, os quais evitariam intermináveis discussões judiciais e dariam maior segurança jurídica aos sócios.