STF: constitucional a penhora de bem de família do fiador em contrato de locação

Em 08 de março de 2022, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) julgou, por maioria dos votos, sob o regime dos recursos repetitivos, com repercussão geral (Tema 1.127), o Recurso Extraordinário (RE) 1307334, firmando entendimento de que é constitucional a penhora de bem de família do fiador em contratos de locações comerciais e residenciais.

O recurso foi interposto pelo fiador contra a decisão proferida pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, a qual confirmou a penhora do imóvel, único bem de família deste, dado como garantia em um contrato de locação comercial, para quitação, em razão do descumprimento do contrato pelo locatário.

Em suas razões, o fiador aduzia o direito fundamental à moradia, uma vez que tal direito sobrepõe à execução da dívida oriunda locação de imóvel comercial, a dignidade da pessoa humana, bem como, a proteção da família, em detrimento da livre iniciativa e, portanto, alegou que a tese fixada do Tema 295, se aplica apenas a contrato de locação residencial, razão pela qual deveria ser aplicada a impenhorabilidade do bem de família do fiador nos contratos de locação comercial. 

Observa-se que o julgamento põe fim a controvérsia sob a tese fixada em 2010, consolidada pelo STF, para fins de repercussão geral, qual seja, Tema 295, a qual declarou constitucional a penhora do bem de família do fiador em contrato de locação, todavia, a tese não especificava qual a modalidade locatícia por ela abrangida. 

Apenas a título de exemplo, mais recentemente, a 1ª Turma do STF, em 2018, julgou um Recurso Extraordinário (605.709) envolvendo o mesmo tema, entretanto, o entendimento foi da impossibilidade da penhora de bem de família do fiador no caso de locação comercial. Dessa forma, dentro do próprio Tribunal Superior existiam posições diferentes.

Entretanto, no presente julgado, prevaleceu o voto do relator, Ministro Alexandre de Moraes. O voto do relator foi seguido pelos ministros, Luís Roberto Barroso, Nunes Marques, Dias Toffoli, Gilmar Mendes, André Mendonça e Luiz Fux, respectivamente.

Em seu voto, o relator discorreu que o direito à moradia não é absoluto, em que pese estar inserido na Constituição Federal entre os direitos sociais, uma vez que deve ser sopesado com a livre iniciativa do locatário em estabelecer seu empreendimento, direito fundamental também previsto na Constituição Federal, nos termos dos artigos 1º, incisos IV e 170, caput, bem como com a autonomia de vontade do fiador pois, de forma livre e espontânea, garantiu o contrato.

Além disso, para o Ministro, a impenhorabilidade do bem de família do fiador de locação comercial, de certa forma, causaria grave impacto na liberdade de empreender do locatário, uma vez que, entre as modalidades de garantia que podem ser exigidas, como caução e seguro-fiança, a fiança além de ser a mais utilizada, é a menos onerosa e mais aceita pelos locadores. 

Outrossim, o ministro ressaltou que deve ser garantido ao indivíduo o direito de escolha, ou seja, se será mantida a impenhorabilidade de seu bem de família, nos termos da Lei 8.009/90, ou se ao conceder a fiança, o fiador consente expressamente com a constrição de seu bem no caso de inadimplemento do locatário.

Não obstante, o relator diz não haver distinção entre fiadores de locações residenciais e comerciais em relação à possibilidade da penhora do bem de família, pois violaria o princípio da isonomia, em caso de distinção, uma vez que o fiador de locação comercial manteria incólume seu bem de família, enquanto o de locação residencial poderia ter seu imóvel penhorado.

Ou seja, para Moraes, o ato de disposição do imóvel é voluntário, pois o fiador renuncia à impenhorabilidade de seu bem de família de forma espontânea e, portanto, confere a possibilidade de constrição do imóvel, em caso de descumprimento contratual do locatário, não diferenciando a modalidade de locação, seja residencial ou comercial.

Sendo assim, a tese fixada pelo relator, para repercussão geral ao Tema 1127 foi: “É constitucional a penhora de bem de família pertencente a fiador de contrato de locação, seja residencial, seja comercial”.

Entretanto, importante observar que a decisão não foi unânime, pois divergiram do voto os Ministros Edson Fachin, Ricardo Lewandowski, Rosa Weber e Carmem Lúcia, os quais têm um entendimento contrário, pois o direito de moradia e à dignidade da pessoa humana se sobrepõe à voluntariedade do ato do fiador e, deste modo, não abrangem a exceção do artigo 3º, inciso VII, da lei em comento.

O Ministro Edson Fachin, ao divergir do voto do relator, votando pelo provimento do recurso, discorreu que deve prevalecer o direito constitucional à moradia sobre os princípios da livre iniciativa e da autonomia contratual, eis que podem ser resguardados de outras formas.

Em que pese o entendimento do STF trazer mais segurança jurídica à relação contratual com a garantia de fiança, vislumbra-se uma certa prejudicialidade no mercado imobiliário, pois conforme bem apontado pelo Ministro, a fiança é uma modalidade mais utilizada e mais acessível, é a menos onerosa e mais aceita pelos locadores, principalmente, em razão da garantia.

Como é sabido, é de suma importância garantir uma transação totalmente segura, tanto para o locador quanto para o locatário, assegurando os envolvidos.

Veja que o entendimento traz, por outro lado, insegurança jurídica e desconforto nas futuras locações, pois a fiança é a garantia amplamente adotada no mercado, especialmente pela inexistência de custo imediato para sua outorga, trazendo um processo mais custoso e imprevisível êxito em caso de descumprimento contratual pelo locatário.

À vista disso, é evidente que o mercado de aluguel irá ter uma baixa considerável em suas futuras locações, pois em razão da penhorabilidade, qualquer fiador terá receio de dispor o seu bem imóvel e, consequentemente, as locações serão mais dificultosas, trazendo mais custos, como por exemplo, utilizar depósito-caução ou contratar um seguro-fiança, garantias mais onerosas.

Destarte, uma por nem sempre o locatário dispor de imediato ao equivalente 3 (três) meses de aluguéis e, na outra modalidade, acrescer em torno 2 (dois) a 3 (três) meses de aluguéis, o qual é parcelado, cobrado em conjunto com o aluguel.

Em suma, outra modalidade de garantia, que não seja a fiança, resulta, de fato, em encarecimento ao locatário.

No tema julgado, deveria se buscar uma ponderação entre os direitos. O que não houve. Observa-se que não o tema ultrapassa as partes litigantes e, portanto, caberia a Corte no caso concreto, interpretar as normas constitucionais garantidoras da dignidade da pessoa humana, do direito à moradia e da proteção à família.

Isso porque, observa-se que ante tal entendimento, existe um interessante debate relevante entre a dignidade da pessoa humana e o da livre iniciativa e da autonomia contratual. Entretanto, deveria ser preservado o princípio da dignidade da pessoa humana e, principalmente, o direito constitucional à moradia. 

De fato, o credor tem direito de obter o seu crédito, contudo deveria ser trabalhado uma composição amigável inicialmente, ou caso infrutífera, nos processos de cobrança e execução de débitos de locação, o judiciário utilizar os meios menos gravosos às partes, a fim de satisfazer o crédito perseguido.

Deste modo, em caso de locação de imóvel comercial, a penhora do bem de família é desproporcional e desnecessária, uma vez que existem outras formas de garantir o cumprimento do contrato, formas menos onerosas e lesivas para o cumprimento do contrato em caso de inadimplência.

E não é só, ao nosso ver, com a devida vênia, há de certa forma, uma inconstitucionalidade no entendimento do STF, uma vez que a fiança se trata de um contrato acessório o qual não pode, de modo algum, ter mais obrigações do que o contrato principal. 

Por derradeiro, em que pese o entendimento do STF, principalmente no tocante a livre iniciativa do fiador, a penhora do único imóvel do fiador atinge o direito fundamental à moradia, de forma excessiva. Destarte, tem se, de fato, lesão à isonomia, tanto na locação residencial como também na locação comercial.

*Thatyane Pontes Dias é bacharel em direito e atua na área do contencioso Cível do Zilveti Advogados.

 

http://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=483088&ori=1

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