Análise sobre o entendimento do TJSP acerca do não pagamento de crédito prometido via cashback

O cashback é uma estratégia de negócios que consiste na devolução de parte do valor da compra ao cliente. Geralmente, tal crédito é oferecido na própria plataforma para próximas compras, atraindo e fidelizando clientes para o ecossistema da empresa. Ainda que recente, essa prática já está difundida no Brasil, mas ainda sim é, por vezes, tratada como algo diferente, e muitas vezes, inofensivo.

Dentro deste tema, a Apelação Cível nº 1000459-88.2019.8.26.0011, oriunda da 15ª Vara Cível do Foro Central da Comarca de São Paulo/SP, interposta por Nino Peres em face de Rappi Brasil, decorre de ação fundamentada em problemas gerados após prestação de serviços por parte da ré: ausência de estorno de valores cobrados indevidamente e não pagamento do cashback prometido.

Entenda o caso

A ação proposta pelo autor foi de repetição de indébito cumulada com indenização por danos morais. Em suma, a alegação foi de que, por erro da ré, houve o cancelamento e renovação de seu pedido (televisão) por várias vezes. Este fato gerou a cobrança de sete produtos iguais, dos quais apenas um foi entregue. Além disso, Nino alega que em momento algum o pagamento do cashback prometido (50% do valor da compra) foi realizado. Com isso, ainda pediu por indenização aos danos morais experimentados com estes contratempos.

A ação foi julgada improcedente em primeira instância. O entendimento dos magistrados foi o de que o engano ocorrido se demonstrou totalmente justificável, fundamentando ser impossível considerar tais enganos capazes de proporcionar qualquer dor, angústia ou frustração ao autor, não ensejando, portanto, indenização por danos morais.

A resposta do autor

Indignado, o autor interpôs o recurso aqui em relato, alegando preponderantemente que a fundamentação foi extra petita, ou seja, com base em fundamento não invocado, visto que não houve, por parte da ré, alegação ou comprovação do engano justificável reconhecido em sentença. Ademais, tal justificativa nem ao menos faz sentido, na medida em que nenhuma das partes trouxe informações de como eram realizados os trâmites internos da empresa, seja sobre confirmação de venda, cancelamento ou entrega.

O apelo foi parcialmente provido. No que tange à repetição de indébito, não foram identificados estornos ainda faltantes, vez que a ré comprovou a solução de tais pendências, não comportando provimento ao pedido. Já com relação ao cashback pendente, foi dado parcial provimento, condenando a ré ao pagamento de R$ 568,00 (50% do valor gasto). Entretanto, ao pedido de indenização por danos morais não foi comportado provimento, sendo entendida tal situação apenas como aborrecimento natural, eventualmente presente nas relações negociais do dia a dia.

Inicialmente, a 26ª Câmara de Direito Privado foi feliz em seu entendimento. De fato, não há que se falar em repetição de indébito com os estornos feitos. No mesmo passo, não há que se falar em danos morais, visto que o STJ já possui entendimento consolidado a respeito. O órgão entende que “aborrecimentos comuns do dia a dia, dissabores normais e próprios do convívio social, não são suficientes para originar danos morais indenizáveis”.

Com efeito, a decisão comentada merece atenção no tocante ao crédito do cashback não pago pela ré. Por certo, os desembargadores foram assertivos com a condenação ao pagamento prometido de 50%, no valor de R$ 568, atualizado monetariamente desde 23/11/2018 (data da compra), e juros de mora de 1% ao mês a partir da citação, dada a relação contratual entre as partes.

O que diz o Código de Defesa do Consumidor?

Contudo, o Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 37, é claro ao proibir propagandas enganosas e abusivas. Nesta seara, é nítido que ao anunciar determinado produto, munido de um chamativo cashback de 50%, e não o pagar ao cliente posteriormente, a empresa ré não está apenas quebrando com contrato, mas também induzindo o Autor ao erro, que eventualmente nem faria a compra se não fosse pela proposta apresentada na peça publicitária. Tal afronta certamente pode e deve acarretar não só penalizações junto a órgãos administrativos de defesa do consumidor, mas também ao Judiciário, como reza o artigo 56º caput do CDC.

Por óbvio, no caso relatado, não incumbe ao Tribunal tal consideração, visto que o autor ao menos trouxe aos autos essa argumentação. Ainda, nota-se que, ao proferir a sentença, o juiz sequer mencionou o fato do não pagamento da promessa de devolução, julgando improcedente toda a demanda. Por sorte, em seguida, sobreveio reforma da decisão pelo Tribunal, de forma acertada. Em sequência, nota-se que a ré sequer fez menção ao cashback não pago em suas contrarrazões de apelação. Isso demonstra, mais uma vez, a atribuição de pequena importância ao fato, ainda que manifesto seu não pagamento.

Conclusão

Diante disso, a devolução (cashback) é por vezes enxergada como mero “brinde”. Na realidade, trata-se de uma ferramenta intrínseca à relação de consumo, podendo ser uma verdadeira armadilha ao consumidor. Felizmente, o Tribunal acertadamente condenou a ré ao pagamento adequado pelo crédito prometido, em reforma à decisão que sequer fez menção à propaganda enganosa ocorrida. Mas e se não o tivesse feito? Com isso, observa-se uma “nova” forma de estratégia de negócios, assim como infinitas que virão com a evolução da sociedade. Todas devem ser acompanhadas de contínuo estudo e constante atenção aos olhos do Poder Judiciário e dos juristas do país.

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